Scott R. Ward • David Sedlacek • Rogelio Paquini • Jasmine J. Fraser

Discipulando o aluno integralmente

O conceito de discipulado é muitas vezes mal compreendido, como se fosse algo que apenas os cristãos fazem. Estudamos as Escrituras, somos batizados e falamos aos outros sobre Jesus. Devemos fazer essas coisas, mas devemos compreender que quem somos enquanto discípulos é tão importante quanto o que fazemos. No centro do discipulado está o relacionamento, e quem somos num relacionamento com Jesus cria uma estrutura sólida para o que fazemos por Ele.

Discipulado é trabalho em equipe e, portanto, este artigo foi coescrito pelo corpo docente do Departamento de Discipulado e Educação para a Vida (DSLE) do Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia da Universidade Andrews, com cada um dando uma breve visão geral de sua área de atuação, especialidade ou estrutura no discipulado. Como parte de uma ênfase departamental em esclarecer e chamar a atenção para o conceito de discipulado, os autores começaram a coletar respostas curtas de uma página de seminaristas de todo o mundo com uma atividade intitulada “Quem discipulou você?”. O seguinte testemunho foi escrito por um seminarista que foi discipulado por vários de seus professores em escolas da Igreja Adventista e ilustra esse ponto:

Mais do que palavras, discipulado é agir como quem se importa: um testemunho pessoal

“Meu discipulado nunca foi algo formal. Ninguém escolheu, de forma específica, caminhar ao meu lado para me ensinar como formar uma vida espiritual. Cresci na igreja, e a importância da oração, da leitura das Escrituras e da devoção diária me eram familiares. Embora eu entendesse a importância dessas coisas, não dispunha de uma estrutura adequada para colocá-las em prática. Meus pais queriam que eu adotasse esses hábitos espirituais, mas raramente os via gastando um tempo considerável desenvolvendo sua vida espiritual fora da igreja aos sábados.

“Foi nos exemplos de professores que tive na academia que vivenciei o que posso considerar discipulado. Muitos deles faziam devocionais e oravam conosco antes da aula. Dava para ver que a espiritualidade e a conexão com Deus eram importantes para eles. Eu também via como eles lidavam com situações difíceis com atitudes semelhantes às de Cristo. Quando meus professores estavam lutando com alunos problemáticos ou impondo o cumprimento das regras, eles faziam isso com um ar de misericórdia. Mesmo em meus próprios erros, meus professores me mostraram muita graça. Eu não tinha certeza de como eles desenvolveram sua vida espiritual, mas sabia que queria que minha vida espiritual fosse parecida com a deles.

“O discipulado se manifestou de forma mais notável em minha vida na faculdade. Como estudante de teologia, tive a oportunidade de conversar com professores enraizados de forma profunda na Palavra de Deus, alguns dos quais já eram pastores, e era assim que eu queria ser. Durante a época da faculdade, pude fazer perguntas como: “Como Deus fala conosco?” e “Como lidar com orações não respondidas?”. Ter a chance de fazer essas perguntas mais profundas e receber respostas ponderadas foi útil para a base da minha vida espiritual. Além disso, meus professores se importavam com meu bem-estar. Eles perguntavam, com genuíno interesse, como eu estava ou como poderiam orar por mim. A atenção deles me impactou profundamente.”1

Os professores devem primeiro se ver como discípulos que precisam ser nutridos mais perto do coração de Deus para que então possam compartilhar o que vivenciaram pessoalmente, com os outros.2 Eu (S.W.) sempre digo aos meus alunos do seminário que, se eles tiverem um bom relacionamento com Jesus e momentos devocionais significativos com Ele, sempre terão algo disponível para compartilhar proveniente de sua experiência com Jesus pela manhã, no dia ou semana anterior, ou de quando seu momento devocional significativo mais recente aconteceu. Todos os educadores sabem, e é óbvio pela história acima, que os alunos nos veem como realmente somos. Quando Jesus brilha em nós, não tem como não notarem isso. E, se depois conversamos a respeito, isso pode inspirá-los em sua própria busca por significado na vida.

Também precisamos considerar outras influências que podem impedir discípulos de experimentar Jesus plenamente e viver para Ele. Os seres humanos foram criados para estar em um relacionamento com Deus (Gn 2:24-28; 3:8, 9). Isso é fundamental para a nossa existência agora e por toda a eternidade (Jo 15:5). É possível fazer muitas coisas para Jesus sem estar num relacionamento de devoção para com Ele e que não seja diário e de aliança. Mas é impossível estar numa relação de compromisso com Jesus sem compartilhar com os outros a nossa experiência com Ele, envolvendo-os de formas que inspirem esperança e aliviem o sofrimento da humanidade.

Professores do Departamento de Discipulado em Educação ao Longo da Vida da Universidade Andrews conversam sobre o desenvolvimento do aluno como um todo.

Visão geral do discipulado (Scott R. Ward)

É importante notar que o relacionamento com Jesus e o momento devocional com Ele não são iguais para todos, sejam estudantes ou educadores. Há discípulos de Jesus de todas as formas, tamanhos e cores, de centenas de línguas diferentes, representando culturas e dinâmicas de relacionamento que cobrem um vasto espectro de diversidade. Numerosos estilos de aprendizagem, linguagens de amor e temperamentos definidos cientificamente afetam como nos envolvemos com o mundo que nos rodeia. Diferenças em como amamos e aprendemos afetam como nos relacionamos. A maneira como os nossos pais e avós praticavam sua fé pode parecer muito diferente das formas que encontramos para nutrir nossa espiritualidade, e é provável que isso seja um pouco diferente de algumas das maneiras que ajudam os nossos alunos a se relacionar com Jesus. Eu (S. W.) acredito que, como educadores, todos nós precisamos encontrar a nossa própria ligação pessoal que alimente a nossa espiritualidade, para que o nosso ministério de ensino flua do coração, e não de meras obrigações religiosas.3

Além disso, cada geração reage e se adapta à geração anterior. Cada geração faz mudanças que resultam em novas formas de pensar e interagir, adaptando-se e criando uma nova cultura. Essas mudanças nem sempre são positivas ou estão alinhadas com os princípios bíblicos e podem promover ideologias supressivas e destrutivas. A realidade de que todos vivemos num mundo pecaminoso, onde todos somos vítimas de várias aflições e abusos, também afeta nossa capacidade de ter relacionamentos saudáveis com Jesus e outros seres humanos.

Embora haja diversidade em termos de cultura, idioma e temperamento, coletivamente temos semelhanças nas práticas devocionais e na maneira como interagimos com Jesus. Às vezes, essas semelhanças se tornam encontros ritualísticos que causam divisão e impedem o crescimento em nosso relacionamento com Jesus. Portanto, as nossas diferenças e semelhanças nos desafiam, enquanto educadores e líderes ministeriais, a avaliar as necessidades individuais e coletivas em termos de discipulado e a desenvolver abordagens para satisfazer às necessidades em cada contexto.

Devemos reconhecer a diversidade e as lutas em meio à variedade incrível de pessoas e circunstâncias que nos rodeiam à medida que nos envolvemos no discipulado. Uma abordagem holística do discipulado de alunos exige que procuremos compreender suas necessidades espirituais, bem como emocionais.

Um dos desafios do discipulado holístico é a tendência de compartimentar a nossa vida e os problemas que enfrentamos. Eu (S.W.) acredito que compartimentar nossas vidas contribui para o reforço de métodos idealistas de discipulado que não conseguem satisfazer adequadamente às necessidades espirituais e emocionais de muitas pessoas. Tudo que afeta nossa dinâmica relacional (positiva ou negativamente) com Jesus ou com os outros deve ser incluído em nossa jornada de discipulado. Quando contamos todas as nossas experiências como oportunidades para cura e nutrição, a probabilidade de que nos tornemos discípulos saudáveis é maior, exibindo os frutos do Espírito.

Eu (S.W.) tenho me envolvido com o discipulado de jovens, conduzindo-os ao crescimento em seu relacionamento com Jesus, produzindo naturalmente o fruto do Espírito. Ao longo de minha carreira como pastor de jovens e professor (professor voluntário de artes para a educação básica, professor adjunto de Bíblia e atualmente professor no seminário), tenho focado em ensinar aos jovens práticas de vida devocional e serviço por meio de grupos devocionais que se reúnem no campus na hora do almoço e projetos de evangelismo para o ensino médio do colégio adventista de minha localidade e para as séries do ensino fundamental II. Esses projetos de evangelismo têm envolvido serviço comunitário, viagens missionárias e outros métodos evangelísticos. Muitos desses jovens continuam a crescer em seus hábitos devocionais e estão comprometidos com Jesus enquanto servem a humanidade.

O discipulado também é um esforço comunitário. Por meio de esforços colaborativos, também pude fomentar e construir o senso de comunidade, envolvendo-me no ministério de discipulado na igreja e na escola ao promover um clube cristão no campus de uma das escolas de ensino médio públicas locais. Esses são apenas alguns dos resultados práticos de meu foco no discipulado e na espiritualidade bíblica durante meus estudos de doutorado. Com o passar dos anos, minha paixão por discipular por meio das lentes dos relacionamentos e da comunidade se aprofundou. Esforço-me por prover ferramentas de colaboração entre igreja e escola para professores e pastores abordarem o discipulado.

Discipulado e trauma (David Sedlacek)

Vivemos em um mundo caído. Portanto, existem mágoas, dores e traumas, que interferem na capacidade de confiar em Deus. Eu (D. S.) acredito que, uma vez que discipulado, por definição, é ajudar as pessoas a desenvolver um relacionamento de amor e íntimo com Deus, o objetivo de Satanás é interferir tanto quanto possível no processo de discipulado. Ele faz isso de várias maneiras. Ele sabe que a iniquidade dos pais visita os filhos até a terceira e quarta geração (Dt 5:9). A ciência moderna confirma essa realidade bíblica.4 Tanto a genética como o modelo parental tornam as crianças vulneráveis a traumas domésticos, tais como ter pais divorciados, ou um dos pais ser doente mental, viciado ou preso. Ainda mais diretamente, o abuso físico, emocional e sexual em casa, a violência doméstica ou a negligência emocional e física das necessidades básicas de uma criança podem ser traumáticos.5 Outros tipos de traumas incluem traumas comunitários, como viver num bairro inseguro, bullying, ou ser exposto a um tiroteio em massa. Traumas ambientais, como danos causados por inundações, incêndios, terremotos, tornados ou furacões, calor extremo e outros, podem gerar ansiedade e hipervigilância nas pessoas expostas a eles.6

No plano de Deus, os pais devem ocupar Seu lugar em ensinar seus filhos a desenvolver um relacionamento de amor com Jesus. No entanto, quando os pais, devido à sua própria condição quebrantada, não são presentes emocional ou fisicamente, ou tomam parte ativa no abuso sofrido, a capacidade dos filhos de ver Deus como alguém que ama de forma incondicional é diminuída. Se os filhos não podem confiar nos pais que veem e com quem vivem, será que podem confiar em um Pai celestial que não pode ser visto? Mesmo que passem pela Escola Sabatina, pelos cultos da igreja e pelos Aventureiros e Desbravadores, os filhos podem ter um relacionamento cognitivo com Deus e ser muito obedientes na maneira como praticam sua fé, mas não acreditar que Deus os ama ou que podem confiar totalmente Nele.7 Além disso, uma vez que também há alunos matriculados em escolas adventistas que vêm de lares seculares, agnósticos ou de uma variedade de tradições religiosas e podem não ter sido expostos ao discipulado, os educadores adventistas têm de ter atenção especial às necessidades desses estudantes.

O objetivo de discipular pessoas quebrantadas, traumatizadas é proporcionar-lhes uma tal experiência de amor incondicional (seja por meio de comunidades seguras ou de um processo de aconselhamento terapêutico) que, em vez de serem gravemente afetadas pela ansiedade ou hipervigilância, elas sejam capacitadas para abrir o coração ao amor de Deus (1Jo 4:18). Comunidades seguras podem contar com programas de 12 passos centrados em Cristo, como a “Jornada à plenitude” (https://www.adventistrecoveryglobal.org/resources/journey-to-wholeness/) ou grupos de homens, ou de mulheres, com foco na cura emocional. As intervenções profissionais deveriam focar no trauma e incluir um elemento experiencial. O ferimento ocorreu em um relacionamento com outra pessoa, e a cura é alcançada da melhor forma quando o processo inclui componentes cognitivos e experienciais. É importante notar que essas intervenções e oportunidades de cura são significativas não apenas para os alunos com quem trabalhamos, mas também para educadores, pastores e pais.

Nós (S.W. e D.S.) temos visto a importância de levar em conta a dor e o trauma de uma pessoa no relacionamento de discipulado. É importante compreender a jornada da pessoa para que possamos entender melhor quais devem ser os próximos passos em termos de discipulado para ela e como podemos cercá-la e apoiá-la da melhor forma. Isso inclui compreender a jornada de nossos colegas professores, bem como a de nossos alunos. Quanto mais compreendermos que todos nós (pastores, professores, pais e alunos) somos vítimas de traumas, mais poderemos tentar trabalhar juntos para apoiar uns aos outros em nossa jornada espiritual pessoal e na formação de uma verdadeira comunidade espiritual.

Discipulado e cultura (Rogelio Paquini)

O discipulado da juventude é um aspecto essencial do desenvolvimento espiritual dos jovens. É um espaço onde os jovens podem se reunir, crescer na fé e construir um senso de comunidade. Nesse contexto, cultura e espiritualidade se cruzam de forma significativa. A partir de minha experiência (R. P.) e com o suporte da literatura e pesquisa sobre discipulado, descobri que a cultura molda como os jovens compreendem a espiritualidade e se envolvem com ela, e isso é um fator essencial na formação da cultura deles. James Emery White define cultura como “o contexto abrangente e penetrante que abrange a vida e o pensamento, a arte e a fala, o entretenimento e a sensibilidade, os valores e a fé.”8

A dinâmica da sociedade e suas estruturas moldam a cultura dos jovens. Em muitos grupos, o desejo de independência, de pertencimento e a busca por significado e propósito definem a cultura jovem.9 A forma como eles abordam a espiritualidade e a fé parece ser uma expressão da sua cultura jovem. Querem compreender suas crenças e práticas de uma forma que faça sentido para eles e querem expressar sua espiritualidade de maneiras significativas e relevantes para suas experiências.

Um dos principais desafios do ministério jovem é proporcionar a eles espaço para explorar sua fé e espiritualidade num ambiente seguro e no qual encontrem apoio. As boas práticas de discipulado requerem um ambiente aberto e inclusivo onde os jovens sejam motivados a fazer perguntas e compartilhar os seus pensamentos e sentimentos. No outono de 2019, antes da covid-19, o Instituto Springtide fez uma pesquisa com uma amostra representativa de mil jovens, com idades entre 13 e 25 anos, nos Estados Unidos. Além das pesquisas, os pesquisadores realizaram 35 entrevistas, conversando a fundo com os selecionados. As respostas indicaram que 36% dessa população “não têm com quem conversar”.10 A pesquisa pós-pandemia está em curso, mas o que esse estudo continua a revelar é que um em cada três jovens adultos nos Estados Unidos se sente completamente sozinho, 40% acreditam que não têm ninguém com quem possam conversar e 45% acreditam que são mal compreendidos.11 Educadores e outros líderes que ministram aos jovens devem demonstrar vontade de ouvir e de se envolver em conversas abertas e honestas com os jovens sob seus cuidados.

Relacionar-se com outras culturas é essencial aos jovens no processo do discipulado porque os ajuda a ampliar suas perspectivas e a desenvolver empatia por aqueles que são diferentes deles. Jennifer Guerra Aldana disse bem: “A diversidade é uma dádiva.”12 A exposição à diversidade pode levar a uma maior compreensão e aceitação de várias práticas, crenças e valores culturais. Quando os jovens se relacionam com outros de origens diferentes, a probabilidade de terem uma mente aberta e aceitarem a diversidade é maior; isso é imperativo no mundo de hoje, onde estamos mais conectados do que nunca. Os jovens devem compreender e respeitar as diferenças culturais daqueles que os rodeiam. Como educadores, também somos responsáveis por ensiná-los a usar seu conhecimento dos princípios bíblicos para entender o que ajuda a humanidade a prosperar e depois proporcionar-lhes oportunidades para aplicar isso em sua vida. Relacionar-se com outras culturas pode promover o crescimento espiritual e uma compreensão mais profunda do amor de Deus por todas as pessoas, independentemente de sua origem.

No entanto, embora os jovens estejam cada vez mais diversificados, muitos ministérios ainda não contextualizaram suas práticas para acolher e interagir com essa população. Um exemplo claro e direto de falta de contextualização é a ausência da integração, participação e envolvimento de jovens no processo de tomada de decisão na maioria das igrejas, mesmo quando tais organizações proclamam cuidar deles. Nesses casos, os programas e estilos demonstram maior interesse em agradar os gostos e interesses das gerações anteriores do que naquilo que é relevante para os jovens.

Os ambientes universitários e internatos de nível médio têm uma vantagem em relação às igrejas locais, uma vez que têm uma maior população de jovens e operam no contexto deles. Os capelães voluntários e os que dirigem o louvor são estudantes; no entanto, como eu (R.P.) ouvi de muitos estudantes em ambos os níveis, eles não sentem que as aulas de religião têm a ver com as necessidades deles. Portanto, professores e os que dão as aulas religião devem se conscientizar das características dessa geração e criar ambientes de aprendizagem que apoiem os alunos dentro de seu contexto.

Em cada cultura, em todo o mundo, as pessoas se relacionam de forma diferente e de acordo com suas diversas tradições e práticas culturais. Espiritualidade e discipulado não são, como afirmado anteriormente, atividades iguais para todos. É extremamente importante ir às pessoas onde elas estão dentro de sua cultura – seja étnica ou geracional – para lhes dar a melhor oportunidade de compreender a mensagem do evangelho e ser atraídas para a nova cultura de discipulado do contexto da igreja local.

Uma estrutura bíblico-teológica para compreender e praticar o discipulado (Jasmine R. Fraser)

Uma estrutura bíblico-teológica para compreender e praticar o discipulado centra-se na grande comissão de pregar, ensinar e batizar (Mt 28:19, 20). Jesus deu o mandato em Suas palavras de despedida antes de ascender ao céu. No entanto, eu (J. F.) acredito que não devemos passar por alto a praticidade do discipulado expresso ao longo da vida de Jesus em Seus relacionamentos com as pessoas, particularmente os 12 homens de Seu círculo íntimo. Jesus é o modelo máximo de discipulado. Ele foi modelo de ensino; mostrou aos Seus discípulos o que era uma vida devocional com o Pai (Mc 1:35; Mt 11:25-30; Jo 17). Jesus também foi modelo de como satisfazer às necessidades emocionais dos discípulos; expressou empatia e compaixão ao atender a essas necessidades (Mt 9:36; 14:14; 20:34; Mc 1:41; Jo 11:32-38).

Em vários casos, vemos Jesus adotando uma abordagem holística em relação ao discipulado, satisfazendo as necessidades físicas, fisiológicas, psicológicas e, por fim, espirituais daqueles a quem servia. Mateus 9:36 nos diz que, quando Jesus viu as multidões, “se compadeceu delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor”.13 Ao testemunhar o sofrimento das pessoas a quem servia, sentiu a angústia delas e foi movido de compaixão. Sua compaixão o levou a cuidar de suas necessidades físicas e fisiológicas, curando os enfermos, abrindo os olhos dos cegos e alimentando a multidão (Mt 14:14-21; 20:34). A resposta de Jesus, com lágrimas nos olhos, a Marta e Maria por ocasião da morte de seu irmão Lázaro indicou que Ele se sensibilizava psicologicamente com a angústia emocional que acompanha a dor e a perda (Jo 11:35). Jesus entrava na experiência de Seus discípulos, sentindo empatia por eles, tomando parte em suas aflições e trazendo conforto ao sofredor. O autor do livro de Hebreus também nos diz que Jesus se compadece das nossas fraquezas (4:15), confirmando Sua abordagem compassiva e empática quanto ao discipulado.

Também é necessário compreender o papel central do Espírito Santo no processo de discipulado. Paulo discute vários dons que o Espírito Santo dá aos discípulos como ferramentas para construir relacionamentos e comunidades saudáveis (Ef 4:1-12). Depois, nos versículos 14 a 16, ele enfatiza a razão e os benefícios dos dons do discipulado. Embora os dons sejam multifacetados, o objetivo comum é a formação de Jesus em cada discípulo (vs. 13). Essa formação leva à maturidade. “O objetivo da concessão de dons é que os filhos de Deus possam crescer até atingir a maturidade espiritual.”14 A manifestação dos dons do Espírito é o fruto do Espírito. Ao crescermos em fé, somos capacitados para viver e falar a verdade em amor, tornando-nos mais semelhantes a Jesus, que é o Amor e a Verdade. À medida que cada discípulo experimenta transformação por meio de encontros devocionais e do relacionamento com Jesus e a comunidade, coletivamente crescemos em unidade, edificando o corpo de Cristo (ver barra lateral).

Uma definição básica de discipulado

Antes de fazer algumas sugestões finais de como se envolver no discipulado holístico na sala de aula, vejamos uma definição breve e depois uma análise do discipulado holístico.

Discipulado: conduzir pessoas a crescer em seu relacionamento com Jesus.

Conduzir: Todos os líderes lideram pelo exemplo, quer saibam disso ou não – os atos têm mais poder do que as palavras. Você não pode conduzir outros ao que você não tem, especialmente no que diz respeito a um relacionamento pessoal com Jesus.

Crescer: O crescimento saudável, de acordo com os princípios da educação adventista descritos por Ellen White, é nutrido abordando-se corpo, mente e espírito.15

  • O corpo é físico e emocional e é afetado por traumas;
  • A mente é tanto cognitiva quanto afetiva e envolve vários estilos de aprendizagem, linguagens de amor e temperamentos.16 Todos são afetados pela cultura e pela posição geracional.
  • O espírito é a nossa experiência com Jesus por intermédio do Espírito Santo. Também pode envolver guerra espiritual e luta contra influências demoníacas e opressão/depressão, não apenas dentro do indivíduo, mas também afetando toda a criação de Deus, do princípio ao fim: o Grande Conflito.

Todas as três áreas (corpo, mente e espírito) trabalham juntas para uma saúde e crescimento ideais e todas precisam ser nutridas por práticas de discipulado eficazes que, por fim, levem à capacitação e ao envio (At 2). Ao abordarmos essas áreas (corpo, da mente e do espírito), devemos ter em mente que todas são afetadas por vários traumas pelo quais os indivíduos passam na vida. Uma comunidade discipuladora saudável é uma em que as pessoas motivam umas às outras e que ajuda, em todas essas áreas da vida, a produzir seguidores de Jesus bem equilibrados.

Relacionamento: O relacionamento é entre “pessoase “Jesus. E o relacionamento com Jesus é afetado em grande medida pela comunidade de “pessoas” com “pessoas”. Há também uma diferença entre saber sobre Jesus e estar em um relacionamento pessoal com Ele para “conhecê-Lo” de verdade intimamente, a fim de que Sua vida transforme uma pessoa – re-formando-a para que nela seja restaurada Sua imagem.

Entrando em ação

Com base na discussão e definição acima, aqui estão alguns passos básicos que acreditamos que ajudarão os educadores a priorizar o discipulado holístico dos alunos. Muitos educadores já utilizam pelo menos alguns desses passos, por isso o objetivo aqui é, de forma cordial, simplesmente ajudar todos nós a nos lembrarmos do potencial de seu impacto espiritual:

1. A espiritualidade flui da própria vida devocional do líder. Se você está lutando para saber ter uma vida devocional ou para priorizar o momento devocional, você não está sozinho. A vida devocional é uma disciplina e não acontecerá sem esforço. A chave é reconhecer o impacto positivo de uma vida devocional ativa e regular nas experiências diárias. Conforme observado anteriormente neste artigo, o momento devocional não é igual para todos. Um bom recurso para compreender melhor como aprimorar o relacionamento com Jesus e construir uma vida devocional eficaz é o livro Authentic: Where True, Life-changing Christianity Begins (Autêntico: onde o cristianismo verdadeiro e transformador de vidas começa) (Hagerstown, Md.: Review and Herald, 2012). Assim como o TAG Time (Tempo a sós com Deus) tem demonstrado trazer grandes benefícios para as crianças, é importante que professores e outros líderes educacionais se lembrem da importância disso para eles próprios também. O Tempo a sós com Deus também é uma das maiores oportunidades para as crianças experimentarem e descobrirem sua linguagem de amor espiritual e estilos de aprendizagem.

2. Além dos pais, há poucas pessoas que conheçam os alunos melhor do que seu(s) professor(es). Ao ajudar as crianças a crescer em corpo, mente e espírito, reservar um momento para ver como estão os alunos que parecem estar com dificuldades é de importância vital. Orar com alunos que estão enfrentando desafios em casa ou bullying na escola (e implementar ativamente políticas para prevenir essas ocorrências) também pode servir de grande impulso à espiritualidade deles. A importância do cuidado e da preocupação que os professores oferecem aos seus alunos nunca deve ser subestimada. Isso é extremamente importante para a formação do senso de comunidade, que é o fundamento da igreja de Cristo na Terra. Também é importante saber quando encaminhar os alunos para aconselhamento profissional e outras formas de apoio que possam ser necessárias.

3. O evangelismo é um aspecto essencial da espiritualidade, e é trazido na definição acima como “capacitar e enviar”. Dar aos alunos a oportunidade de se envolver no serviço comunitário, além de ser útil na sala de aula, é importante para seu crescimento espiritual. Com base em minha experiência (S.W.), o serviço comunitário e o conceito básico de aprender a ajudar os outros podem ser um grande catalisador para um interesse e crescimento espiritual maiores. Se sua escola ainda não tem um programa robusto de serviço comunitário, visite http://collaborativeministry.org para obter mais ideias relacionadas ao serviço comunitário e para saber como o envolvimento comunitário se enquadra na espiritualidade geral de sua escola. Servir a comunidade é um resultado natural de uma espiritualidade mais profunda e, assim como a vida devocional do líder é fundamental para a espiritualidade, o envolvimento ativo no serviço aos outros, lado a lado, trabalhando em conjunto com estudantes, pastores e pais, também o é.

Conclusão

O discipulado exige que saibamos quem somos enquanto discípulos e o que somos chamados a fazer. Como educadores adventistas, devemos liderar pelo exemplo, e isso significa nutrir o nosso próprio relacionamento com Cristo e estar prontos e dispostos a compartilhá-lo. Devemos demonstrar cuidado por nossos alunos, e isso requer que compreendamos sua vida, seus traumas e procuremos intencionalmente formas de os motivar e apoiar à medida que crescem física, mental e espiritualmente. Não devemos apenas criar ambientes que os motivem e apoiem, mas também envolvê-los no evangelismo e serviço aos outros. Esses princípios servem como base do discipulado e podem ajudar a construir uma estrutura para conduzir pessoas a crescer em um relacionamento com Jesus Cristo, o que é o verdadeiro propósito da educação adventista.17

Este artigo foi revisado por pares.

Este artigo foi coescrito pelo corpo docente do Departamento de Discipulado e Educação para a Vida (DSLE) no Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia da Universidade Andrews, com cada um falando a partir de sua especialidade no departamento.

Scott R. Ward

Scott R. Ward, PhD em Ministério, é professor assistente de Discipulado e Educação para a Vida no Departamento de Discipulado e Educação para a Vida (DSLE) no Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia da Universidade Andrews (Berrien Springs, Michigan, Estados Unidos). Seu diploma PhD em Ministério é na área de Discipulado e Espiritualidade Bíblica, e ele serviu por um longo período como pastor de jovens e professor. Seu envolvimento apaixonado no estudo da espiritualidade e do discipulado inicia esta discussão para proporcionar uma melhor compreensão e prática do discipulado.

David Sedlacek

David Sedlacek, PhD, assistente social registrado, educador especializado em vida familiar certificado, é professor de Ministério da Família e Discipulado e Educação para a Vida (DSLE) no Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia da Universidade Andrews (Berrien Springs, Michigan, Estados Unidos). Também atua como presidente do DSLE. O Dr. Sedlacek é PhD em Serviço Social. Está empenhado em pesquisar os efeitos de Experiências Adversas na Infância (EAI) na espiritualidade dos seminaristas. Ele discute a importância de lidar com o trauma e seu impacto no discipulado.

Rogelio Paquini

Rogelio Paquini, PhD em Ministério, é professor assistente de Ministério Jovem no Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia da Universidade Andrews (Berrien Springs, Michigan, Estados Unidos). Também atua como diretor do programa de mestrado em Discipulado e Educação para a Vida. O Dr. Paquini possui PhD em Ministério na área de Ministério Jovem e serviu por muitos anos como plantador de igrejas e pastor principal de congregações de jovens no sul da Califórnia. É bilingue e tem uma origem multicultural, o que lhe confere não só experiência com múltiplas culturas étnicas, mas também com diferenças culturais intergeracionais. Ele aborda a questão da cultura no que diz respeito ao discipulado.

Jasmine J. Fraser

Jasmine J. Fraser, PhD, é professora assistente de Discipulado e Educação para a Vida no Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia da Universidade Andrews (Berrien Springs, Michigan, Estados Unidos). Também atua como diretora do Programa de PhD em Discipulado e Educação para a Vida. Possui PhD em Ensino Religioso e serviu a igreja em diversas funções de relacionadas ao discipulado. Atualmente, ela leciona matérias na área de discipulado e ministério da família. Ela discute uma estrutura bíblico-teológica para se compreender e praticar o discipulado.

Citação recomendada:

Scott R. Ward et al., “Discipulando o aluno integralmente,” Revista Educação Adventista 85:2 (2023). Disponível em: https://www.journalofadventisteducation.org/pt/2023.85.2.3.

NOTAS E REFERÊNCIAS

  1. O testemunho pessoal de um aluno. Compartilhado com permissão.
  2. S. Joseph Kidder’s Journey to the Heart of God (Nampa, Idaho: Pacific Press, 2019) é um recurso recomendado para uma reflexão maior sobre este conceito.
  3. Scott R. Ward está na fase de edição de um livro que ajudará pastores, professores e pais a descobrir maneiras de se relacionar com Jesus e compartilhar sua espiritualidade com os alunos dentro em sua esfera de influência. O título provisório é Following Jesus: Stories of Discipleship and Devotional Life (Seguindo Jesus: histórias de discipulado e vida devocional).
  4. Curt Thompson, Anatomy of the Soul: Surprising Connections Between Neuroscience and Spiritual Practices That Can Transform Your Life and Relationships (Carol Stream, Ill.: Tyndale House Publishers, 2010).
  5. Vincent J. Felitti et al., “Relationship of Childhood Abuse and Household Dysfunction to Many of the Leading Causes of Death in Adults, The Adverse Childhood Experiences (ACE) Study,” American Journal of Preventive Medicine 14:4 (maio 1998): 245-258.
  6. The National Child Traumatic Stress Network, “Trauma Types” (n.d.). Disponível em: https://www.nctsn.org/what-is-child-trauma/trauma-types.
  7. David Sedlacek e Beverly Sedlacek, Cleansing the Sanctuary of the Heart: Tools for Emotional Healing (San Diego, Calif.: Readers Magnet, 2018).
  8. James Emery White, Meet Generation Z: Understanding and Reaching the New Post-Christian World (Grand Rapids, Mich.: Baker Books, 2017), 80.
  9. Kara Powell e Brad M. Griffin, em seu estudo sobre a Geração Z, argumentam que, para esses jovens, encontrar um propósito é um dos três principais impulsionadores para encontrar a identidade. Veja Kara Powell e Brad M. Griffin, 3 Big Questions That Change Every Teenager: Making the Most of Your Conversations and Connections (Grand Rapids, Michigan: Baker Books, 2021).
  10. Springtide Research Institute, Belonging: Reconnecting America’s Loneliest Generation (Winona, Minn.: Springtide Research Institute, 2020), 16. Disponível em: https://orsl.usc.edu/wp-content/uploads/2022/10/BelongingReport-Springtide.pdf
  11. A pesquisa pós-pandemia do Springtide Research Institute continua e pode ser encontrada em https://www.springtideresearch.org/research/belonging.
  12. Jennifer A. Guerra Aldana, “Guiding Values for Multicultural Youth Ministry,” Fuller Youth Institute (29 mar. 2018). Disponível em: https://fulleryouthinstitute.org/blog/guiding-values-for-multicultural.  
  13. As citações bíblicas utilizadas neste artigo foram extraídas da versão NAA da Bíblia Sagrada.
  14. Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia (Hagerstown, Md.: Review and Herald, 1980), 6:1024, 1025.
  15. Ellen G. White, Educação (Tatuí, S.P.: Casa Publicadora Brasileira, 2003), 16.
  16. Eu (Jasmine J. Fraser) peço aos meus alunos que façam esses para ajudá-los a descobrir seu estilo pessoal de envolvimento devocional: Inventário de estilo de aprendizagem Barsch. Disponível em: https://sarconline.sdes.ucf.edu/wp-content/uploads/sites/19/2017/07/Barsch_Learning_Styles_Inventory11.pdf; Projeto de psicometria de código aberto (Temperamento). Disponível em: https://openpsychometrics.org/tests/O4TS/; Cinco linguagens do amor. Disponível em: https://5lovelanguages.com/quizzes/love-language; Eneagrama do Evangelho. Disponível em: https://www.gospelenneagram.com/assessment
  17. General Conference Policy Manual, “Seventh-day Adventist Philosophy of Education (Policy FE05, FE10)” (Silver Spring, Md.: General Conference of Seventh-day Adventists, 2003), 221-228.