Karnik Doukmetzian • Joseph K. C. Doukmetzian

Governança efetiva:

os deveres legais e fiduciários dos conselhos

A maioria das pessoas que são eleitas para servir em um conselho escolar consideram um privilégio contribuir com seu tempo e experiência para sua alma mater ou sua igreja. Uma posição na diretoria da escola não apenas permite que os indivíduos tenham a oportunidade de retribuir, mas, para alguns, defender e cuidar de seus filhos ou sua igreja. Há outros que, devido a experiências desagradáveis anteriores em conselhos mal administrados, consideram tal serviço uma imposição de tempo e perda de recursos, e isso é lamentável.

Com a adesão ao conselho, vêm responsabilidades legais, éticas e fiduciárias. O principal papel do conselho escolar e de seus membros é representar o grupo que os elegeu, atuando como elo entre ele e a administração da escola, e exercer deveres legais e fiduciários ao cuidar dos interesses do grupo na governança da escola. Um conselho escolar eficaz é aquele que entende seu propósito como um corpo diretivo e seu papel como parceiro no sucesso da escola.

Especialistas em cargos de liderança advertem que certos problemas inerentes dificultam o funcionamento dos conselhos e o cumprimento efetivo de suas responsabilidades. Peter Drucker, o guru da administração, afirmou há mais de 40 anos que “existe uma coisa que todos os conselhos têm em comum, independentemente de sua posição legal. Eles não funcionam.”1 A avaliação de Drucker pode parecer implacável e negativa, e, de fato, há momentos em que as diretorias não funcionam bem. No entanto, este artigo visa ajudar o seu conselho a funcionar de forma mais eficaz.

Como um conselho deve funcionar para cumprir efetivamente suas obrigações legais e fiduciárias? Este artigo examina essas obrigações e sugere as melhores práticas que capacitarão os conselhos a funcionar de forma eficaz, além de permitir que os conselheiros individuais cumpram suas obrigações legais e fiduciárias.

Governança e administração

Os membros do conselho devem sempre ter em mente que, antes de representar seus próprios interesses individuais, representam os interesses de seu eleitorado, seja a igreja patrocinadora local, a Associação, a União ou a Divisão. A governança efetiva começa com as ações do conselho escolar. O papel do conselho é garantir que a escola funcione de maneira a cumprir sua missão.

O conselho não deve se envolver na gestão do dia a dia da instituição. Essa é a função da administração. O papel do conselho é monitorar, orientar e possibilitar uma boa gestão, bem como estabelecer estratégia e direção para a escola, a fim de orientar a administração e representar os interesses dos mantenedores. Conselhos escolares eficientes conseguem isso moldando a missão e a direção estratégica da escola, assegurando a alocação de recursos financeiros adequadamente para operar a escola de maneira eficaz e comprometendo-se a manter a identidade exclusiva da escola adventista do sétimo dia.

A função dos conselhos escolares

Muitos membros do conselho escolar, uma vez nomeados, tentam operar a escola como se fosse seu próprio negócio ou empresa, deixando de reconhecer que eles foram eleitos pelo eleitorado para representar os interesses desse grupo. Eles são meramente representantes dos “proprietários”. Por exemplo, a Política de Trabalho da Divisão Norte-Americana fornece orientação sobre o papel que os conselhos escolares do Fundamental ao Ensino Médio devem desempenhar. Nela se afirma: “Em todas as escolas deve ser organizado um conselho escolar eleito pelo distrito escolar (para obter detalhes sobre o procedimento, consulte o código de educação da União local). O conselho escolar é responsável pelo funcionamento da escola dentro das diretrizes e políticas adotadas pelo conselho de educação da Associação e pelo círculo eleitoral da escola, conforme declarado na constituição da escola. A contratação, a alocação, transferência, aposentadoria, encerramento de contrato ou demissão de pessoal da escola é função do conselho de educação da Associação.”2 A Política de Trabalho prossegue listando as funções que esses conselhos escolares devem cumprir (ver Quadro 1).3

Em todos os níveis, mas especificamente no nível de Ensino Superior, os conselhos escolares também devem supervisionar assuntos críticos para a saúde da organização, incluindo a viabilidade do modelo de administração da escola, a integridade dos sistemas e controles internos e a precisão das demonstrações financeiras. O conselho escolar também deve ajudar a avaliar e gerenciar riscos (identificar e controlar situações que possam representar um problema para a instituição), bem como supervisionar e proteger os recursos da organização.

As funções do conselho escolar devem ser executadas no contexto da governança, e não da administração. O papel de qualquer conselho é governar, e não administrar, os assuntos da organização. Seu papel é fornecer orientação estratégica e supervisão. A governança inclui o estabelecimento de políticas e o monitoramento contínuo de sua implementação. Governança significa exigir responsabilidade dos administradores da escola, definindo metas, avaliando regularmente seu próprio desempenho como um conselho administrativo e restringindo os esforços de poder individual que possam vir à tona, seja dos administradores da escola, de membros da diretoria, funcionários da igreja ou eleitorado. A boa governança requer altos níveis de responsabilidade, combinados com o dever de melhorar o sucesso e a viabilidade da organização. A governança consiste em fornecer orientação e estrutura para as operações da escola e garantir que essas funções sejam realizadas com eficiência. Em resumo, a administração diária e as operações não são de responsabilidade dos conselhos escolares, ao passo que a governança é sua responsabilidade (ver Quadro 2).

Deveres dos membros do conselho

Os membros do conselho, em todo tipo de organização, têm sobre eles numerosos deveres e obrigações legais e fiduciárias. Os tribunais delinearam muitos desses deveres, tais como o dever da informação, o dever da diligência e o dever da habilidade e prudência. O dever da informação exige que os membros do conselho familiarizem-se com os pilares corporativos da organização, como a carta constitutiva, a estrutura ou estatutos, e entender como garantir que a missão, a visão e os valores da organização sejam alcançados. O dever da diligência requer um envolvimento ativo no conselho e demanda que os membros estejam preparados para as reuniões, revisando a agenda, comparecendo às reuniões do conselho regularmente, estando preparados para discutir o assunto em questão e participando de todos os votos. O dever da habilidade e prudência exige que os membros do conselho usem qualquer expertise específica que possam ter para beneficiar a organização e tomar cuidado para antecipar possíveis consequências das decisões do conselho.

Mas os três padrões ou deveres mais críticos impostos aos membros do conselho são o dever do cuidado, o dever da lealdade e o dever da obediência. Esses deveres são decisivos porque são todos deveres fiduciários que também têm implicações éticas e morais. Ao determinar se alguém agiu de maneira imprópria, os tribunais usam um padrão legal baseado na pessoa “razoável” ou “prudente”. Esse padrão basicamente significa que, como seres humanos, devemos um ao outro um padrão médio de cuidado, habilidade e julgamento em como nos comportamos. Em outras palavras, esse padrão legal inquire: o que uma pessoa razoável faria nessas circunstâncias? No entanto, todos os membros do conselho também atuam em um papel fiduciário. Fiduciário é definido como o que age por e em nome de outro em um relacionamento de confiança. Nesse caso, os membros do conselho administrativo são tanto fiduciários dos círculos eleitorais escolares que os nomearam, quanto do proprietário (Associação, União, Divisão ou Associação Geral) como o último fiador. Como tal, essa responsabilidade fiduciária exige que toda ação ou decisão tomada por um membro do conselho deva ser para benefício e interesse exclusivo daqueles que depositaram essa confiança sobre ele.

O dever do cuidado

O primeiro dever importante dos membros do conselho é o dever do cuidado. Esse dever trata da maneira pela qual um conselho toma decisões e executa a governança de uma escola. Espera-se que os membros do conselho, em todos os aspectos do seu trabalho, em todos os momentos, exerçam um alto nível de habilidade, cuidado e prudência. A exigência legal é que cada membro da diretoria aja “(1) de boa fé e (2) de uma maneira que o [membro da diretoria] acredite razoavelmente ser esse o melhor interesse da [organização]”, e agirá “com o cuidado de tal forma que uma pessoa em uma posição semelhante razoavelmente acreditará ser essa a atitude apropriada sob circunstâncias similares”.4

O padrão legal busca saber o que uma pessoa razoável faria nas mesmas circunstâncias ou em circunstâncias semelhantes. Na maioria dos casos, os tribunais não responsabilizam os membros do conselho por erros ou erros de julgamento, desde que suas ações atendam aos requisitos e exigências legais. Para atender a esse padrão legal, o membro do conselho deve ter decidido de forma desinteressada e independente, deve ter tomado decisões prudentes, ter agido de boa fé, participado de reuniões agendadas e ter sido razoavelmente diligente em se informar sobre os fatos e assuntos tratados pelo conselho. No mínimo, para estar protegido sob essa regra, o membro do conselho deve participar ativamente das reuniões do conselho, selecionar cuidadosamente e supervisionar diligentemente a administração, manter-se informado e ser financeiramente responsável perante a diretoria da escola. Os membros do conselho devem lembrar-se de que, ao aceitar a oportunidade de fazer parte de um conselho, eles aceitaram essas responsabilidades. Reuniões do conselho não são reuniões sociais; são reuniões administrativas, que carregam consigo obrigações e responsabilidades pelas quais os membros do conselho são totalmente responsáveis.

Muitas vezes, é esse dever que faz as pessoas relutarem em servir nos conselhos de escolas, igrejas locais ou outras organizações sem fins lucrativos. Se os membros do conselho não puderem efetivamente servir e cumprir suas responsabilidades fiduciárias, eles devem recusar a nomeação para que não causem problemas não intencionais sobre si mesmos, sobre a escola e sobre a organização mantenedora.

O dever da lealdade

O segundo dever principal dos membros do conselho é o dever da lealdade. Esse dever exige que os membros do conselho exerçam seu poder no melhor interesse da organização e sejam fiéis à organização e à sua missão. Os interesses de qualquer outra pessoa que não a organização devem ser postos de lado.

Os membros do conselho não devem ser motivados por interesses pessoais, comerciais ou privados, mas pelo que é do melhor interesse da escola. As posições no conselho não devem ser usadas para benefício pessoal ou para garantir vantagens para a família ou amigos. As violações desse dever geralmente surgem na forma de conflitos de interesse não relatados ou não documentados que ocorrem quando os membros do conselho têm “um interesse pessoal tão substancial em uma transação que possa afetar seu julgamento”.5 Ao servir a múltiplos conselhos, os membros precisam se lembrar de que eles devem agir no melhor interesse da organização para a qual estão atualmente tomando decisões. Por exemplo, se um funcionário da igreja atua em um conselho escolar, quando participa da tomada de decisões ele precisa votar de tal forma que os melhores interesses da escola sejam colocados em primeiro lugar, em vez de suas responsabilidades administrativas organizacionais.

Conflitos de interesse violam o dever da lealdade porque é antiético para um membro do conselho lucrar com sua posição às custas da organização, ou para o membro permitir que amigos e familiares se beneficiem de sua participação no conselho. Para os membros do conselho, exemplos disso incluem o envolvimento em atividades que comprometam ou prejudiquem as necessidades da escola, o uso de recursos escolares para desenvolver oportunidades de negócios pessoais ou o uso de sua posição para obter benefícios pessoais ao vender, endossar ou promover um produto, contato ou transação. Por exemplo, imagine que uma escola está em processo de reforma ou construção de um novo prédio. Um dos membros do conselho, um empreiteiro, submete uma proposta para o trabalho ao diretor depois de ter descoberto o projeto da escola por causa de seu serviço no conselho. Nenhuma outra proposta é obtida. O conselho discute a proposta na presença do membro do conselho, ele participa da discussão e não se desculpa ou declara que tem um conflito de interesses. Nenhuma provisão é feita para garantir que o preço cotado seja uma estimativa razoável para o projeto. Como o membro do conselho irá pessoalmente se beneficiar da concessão do contrato e como a discussão sobre essa concessão ocorreu em sua presença, o restante do conselho se coloca em uma situação comprometida.

Quando conflitos de interesse surgem, certas medidas devem ser tomadas para proteger o conselho de forma ética e legal. Os membros do conselho escolar que tiverem um conflito de interesse real ou potencial devem divulgar isso por escrito (ver Quadro 5), retirar-se da sala de reuniões durante a discussão, evitar qualquer envolvimento na discussão e abster-se de votar sobre o assunto em questão.

Os membros da diretoria devem se familiarizar com os requisitos da Política de Trabalho de sua Divisão relacionados a conflitos de interesses e cumprir esses requisitos. Os membros da diretoria devem sempre ter em mente que, mesmo que não estejam proibidos de se envolver em atividades econômicas ou comerciais com a escola, tais transações serão consideradas como negociações em benefício próprio (em outras palavras, uso da posição no conselho para fins pessoais, agir de acordo com o próprio interesse e não no melhor interesse do eleitorado ou da organização), a menos que tenham sido seguidos os protocolos apropriados de conflitos de interesses. Além disso, existem algumas atividades proibidas, como a participação em uma atividade empresarial que estaria em concorrência direta com as atividades realizadas pela organização; usar a posição em um conselho para promover interesses comerciais externos; fazer uso ou disseminar informações confidenciais adquiridas por meio de uma posição no conselho de modo a obter benefício pessoal; ou usar a posição no conselho para garantir emprego ou favores para parentes ou amigos. Essas são todas atividades proibidas, e um membro do conselho que se envolve em tais comportamentos deve ser responsabilizado. O estatuto da escola deve descrever a conduta esperada exigida dos membros do conselho e delinear cuidadosamente o que acontece se um deles não cumprir suas obrigações. Se essas diretrizes não estiverem em vigor, os conselhos devem procurar aconselhamento jurídico para ajudá-los a desenvolver tais políticas.6

Uma das outras características essenciais do dever de lealdade é a responsabilidade de manter a privacidade e a confidencialidade das comunicações que ocorrem nas reuniões do conselho. Durante as reuniões do conselho escolar, problemas disciplinares relacionados a alunos ou funcionários, questões pessoais ou outras conversas legalmente protegidas ocorrerão. Cada membro do conselho tem a obrigação legal e o dever de manter a confidencialidade e não divulgar ou discutir essas questões fora do ambiente da reunião. Embora a nossa tendência humana seja compartilhar essa “fofoca suculenta” ou apenas procurar conselhos de amigos e parentes, a revelação de tais informações expõe o membro do conselho administrativo, a escola e a igreja a potenciais responsabilidades legais.

O dever da obediência

O terceiro dever principal é o dever da obediência. Ao desempenhar suas funções de governança, o conselho escolar deve garantir que ele permaneça fiel e cumpra o propósito e a missão da escola. Isso significa que os conselhos devem funcionar de acordo com sua constituição e estatutos; com as políticas educacionais da Associação, União e Divisão; bem como leis e regulamentos municipais, estaduais e federais. Os conselhos devem garantir que qualquer ação tomada pela diretoria esteja dentro do poder e autoridade concedidos a ela pelo grupo constituinte, assegurando que a escola esteja cumprindo suas responsabilidades relacionadas ao eleitorado, aos pais, à comunidade, ao governo e, o mais importante, ao seu compromisso de funcionar como uma instituição adventista do sétimo dia de aprendizagem. Os conselhos também devem garantir que suas ações não se aventurem além de sua autoridade. Deixar de aderir aos documentos que o regem, exceder sua autoridade, não cumprir os requisitos ou exercer a tomada de decisões em áreas sobre as quais o conselho não tem autoridade resultarão em contestações legais que podem levar a juízo. Os conselhos escolares devem consultar o departamento jurídico ao lidar com essas questões.

Conclusão

O eleitorado conta com um conselho efetivo e funcional para governar as operações das escolas locais de Ensino Fundamental de Ensino Médio, bem como instituições de Ensino Superior. O sucesso da escola, embora medido pela eficácia com que atende as necessidades educacionais dos alunos e as necessidades das organizações mantenedoras, também depende da capacidade do conselho de funcionar de maneira ordenada e eficiente no desempenho de suas funções de governança. Os membros da diretoria devem sempre se lembrar de que as responsabilidades legais e fiduciárias que lhes são impostas exigem que, no mínimo, eles tomem decisões prudentes, sejam plenamente informados, totalmente envolvidos e trabalhem em total conformidade. O risco de a escola não cumprir sua missão declarada recai sobre a maneira como ela é governada, e no topo de uma instituição educacional está o conselho escolar.


Este artigo foi revisado por pares.

Karnik Doukmetzian

Karnik Doukmetzian, Esq., é conselheiro-geral da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia em Silver Spring, Maryland, Estados Unidos, e da Divisão Norte-Americana da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, em Columbia, Maryland.

Joseph K. C. Doukmetzian

Joseph K. C. Doukmetzian, Esq., é um advogado de reivindicações da Adventist Risk Management, em Silver Spring, Maryland.

Citação recomendada:

Karnik Doukmetzian and Joseph K. C. Doukmetzian, “Governança efetiva: os deveres legais e fiduciários dos conselhos,” Revista Educação Adventista 81:2 (Abril–Junho, 2019). Disponível em https://www.journalofadventisteducation.org/pt/2019.81.2.6.

NOTAS E REFERÊNCIAS

  1.  Peter Drucker, Management (New Delhi, India: Allied Publishers, 1973):628.
  2. “K-12 Education Policies,” in North American Division (NAD) of the General Conference Working Policy (2017-2018), Section FEA 30 20; The NAD Union Education Code. Disponível em: https://adventisteducation.org/superintendents-handbook/4code.html.
  3. Ibid., FEA 30 35.
  4. Model Business Corporation Act § 8.30 (2016).
  5. NAD Working Policy (2017-2018), Section E 85 05.
  6. Hamlet Canosa, “Governing Boards: A Practical Guide to Best Practices and Policies” (2008), 31. Disponível em:: http://www.columbiaunion.org/sites/default/files/pictures/new_board_manual_07-08l.pdf.