“Uma pedagogia que capacita os estudantes intelectualmente, socialmente, emocionalmente e politicamente ... [usa] referências culturais para transmitir conhecimento, habilidades e atitudes.”1

Uma das muitas coisas que eu admiro em Jesus é a conexão intencional e genuína que Ele teve com as pessoas. Independentemente de seu status, religião, formação cultural ou mesmo da opiniões de outras pessoas, Ele ensinava e servia aos outros, interagia com cada pessoa com quem entrava em contato.

Segundo Ellen White, os primeiros alunos de Jesus, os discípulos, diferiam “tão grandemente em seus característicos naturais, em preparo e hábitos de vida, [no entanto] [...] procurou Ele trazê-los à unidade consigo”.2 Ela também indicou que Jesus instruiu os discípulos e outras pessoas usando técnicas específicas: “O desconhecido era ilustrado pelo conhecido; verdades divinas por coisas terrenas, com as quais o povo estava mais familiarizado.”3 Por meio do uso de parábolas, Jesus aproveitou as experiências dos discípulos, ou como os estudiosos hoje diriam, “recursos de conhecimento”4 – seu modo de vida, suas ocupações, habilidades, disposições e experiências – para alcançá-los e ensiná-los sobre o amor que Seu Pai tinha por eles.

Este artigo se baseará nos princípios espirituais e nas lições aprendidas de Jesus, o Professor Mestre, exemplos do mundo real e pesquisas educacionais que apoiem práticas pedagógicas holísticas que conectam o ensino e a aprendizagem com a educação e a cultura de cada criança.

Cultura definida

A definição básica de cultura é o modo de vida de um grupo de pessoas.5 No entanto, a cultura é mais complexa do que isso. Em um contexto educacional, a cultura inclui os recursos de conhecimento implícitos e explícitos dos alunos. Os recursos implícitos de conhecimento dos estudantes incluem linguagem corporal, regras tácitas de engajamento, comunicação não verbal e regras de conduta. Seus recursos explícitos de conhecimento incluem linguagem, tradições e celebrações, feriados e festivais e elementos tangíveis da cultura. Crianças e adolescentes que interagem com mais de um grupo cultural em sua casa e comunidade terão de navegar por múltiplas fontes ou “recursos de conhecimento”. Neste artigo, a cultura é operacionalmente definida como “valores, símbolos, interpretações e perspectivas” que distinguem um [grupo] de outro.6

Estudiosos no campo da educação multicultural, como James e Cherry Banks, Gloria Ladson-Billings, Geneva Gay e Paul Gorski, têm defendido a validação de estudantes através da inclusão de suas forças culturais, do desenvolvimento de uma comunidade assistencial e da incorporação de suas experiências e de seu conhecimento adquiridos fora da escola no currículo e na sala de aula. Para atingir esses objetivos, os professores devem reconhecer que os referenciais culturais dos alunos têm um efeito sobre sua forma de aprender. Os professores também devem reavaliar sua filosofia e pedagogia de ensino a fim de garantir oportunidades de aprendizagem equitativas para todos.

O que é ensino culturalmente responsivo?

A expressão “ensino culturalmente responsivo” (culturally responsive teaching - CRT) foi cunhada por Geneva Gay e centra-se na crença de que os alunos têm um desempenho melhor quando o ensino considera suas experiências culturais. Para atender às necessidades dos alunos, é dada atenção à criação de salas de aula em forma de comunidades que sejam sensíveis e relevantes às origens dos alunos.7 Gay postula que práticas culturalmente responsivas dentro das salas de aula são necessárias para que existam conexões significativas entre as experiências dos alunos na escola, em casa e na comunidade.8 Para as escolas que matriculam um grande número de alunos de culturas diferentes, isso pode representar um desafio. No entanto, esses desafios são o que o CRT procura abordar apontando abordagens instrucionais que podem ajudar os educadores a diminuir a distância entre os alunos de grupos historicamente marginalizados (com base em sua raça, etnia, idioma etc.) e aqueles das populações tradicionais.

O CRT reconhece a legitimidade das origens culturais de diferentes grupos étnicos como conteúdo digno de ser integrado ao currículo formal, usa uma variedade de estratégias de ensino para atender às necessidades de aprendizagem dos alunos e os ensina a abraçar seus “recursos de conhecimento” enquanto buscam simultaneamente compreender a singularidade de seus pares.9 Esse ensino também busca fornecer aos alunos múltiplos caminhos para alcançar objetivos acadêmicos.10 Os educadores em escolas adventistas devem assegurar que todas as práticas culturais, mesmo aquelas encontradas em culturas majoritárias e subculturas religiosas, sejam avaliadas através das lentes do evangelho.

Por que os professores cristãos precisam exercitar práticas instrucionais culturalmente responsivas?

Professores culturalmente responsivos têm desenvolvido perspectivas positivas sobre as famílias e comunidades, apresentado altas expectativas para os alunos, utilizado a cultura como um contexto para o aprendizado e redesenhado currículos e instruções tradicionais para atender às necessidades dos alunos.11 Os professores adventistas são chamados para ir além desses deveres e ser representantes de Cristo a todos os alunos, cooperando com Ele para levar os princípios de Seu reino a todos, de forma a levá-los a refletir, mais plenamente, a Deus, a cuja semelhança foram criados.12

Embora os professores adventistas geralmente reconheçam esse dever, às vezes suas percepções dos alunos, famílias e comunidade podem impedi-los de exercer plenamente seu testemunho cristão. Para ser culturalmente responsivos, os professores devem reconhecer que sua própria identidade cultural, suas percepções e expectativas sobre os alunos afetam a forma como eles mesmos se relacionam e se envolvem com os alunos na sala de aula. Por exemplo, se os professores acreditam que certos grupos de alunos tendem a falhar na escola porque são preguiçosos, desmotivados, linguisticamente deficientes ou têm pais que não se importam com sua educação,13 suas expectativas para o sucesso acadêmico de seus alunos serão negativamente distorcidas.

Infelizmente, esse quadro ideológico – déficit de pensamento – tem impactado a educação americana14 e não é exclusivo das escolas públicas. O pensamento deficitário funciona em oposição aos valores ensinados nas escolas cristãs e ao ministério do professor adventista. Se os princípios estabelecidos pelo Professor Mestre forem seguidos, os professores terão menos probabilidade de se tornar vítimas do déficit de pensamento. Como resultado, mais alunos e famílias irão querer frequentar escolas adventistas e permanecer fiéis à igreja.

A “resposta” a esse quadro de déficit de pensamento é o CRT. O ensino culturalmente responsivo alinha-se com o exemplo do Professor Mestre. Seus pontos fortes incluem a adoção do ideal de que todos os alunos podem aprender e ver sua vida, cultura, história ou formas de saber espelhadas no currículo, adotadas nas salas de aula e usadas para informar práticas pedagógicas. Assim, os professores podem usar essas oportunidades pedagógicas para validar e apoiar seus alunos, concentrando-se no conhecimento fundamental necessário para que os jovens se tornem aprendizes hábeis.15 Independentemente de suas diferenças, os alunos devem ser amados, nutridos e valorizados, assim como Jesus ama, valoriza e cuida de cada ser humano.

Como o ensino culturalmente responsivo se apresenta na sala de aula cristã?

Nos parágrafos a seguir, o Modelo Instrucional de Conexões Curriculares (Curriculum Connections Instructional Model™ - CCIM)16 será usado para ilustrar como a pedagogia culturalmente responsiva se apresenta na sala de aula. Esse modelo baseia-se no reconhecimento de que os alunos são complexos, portanto existe uma relação recíproca entre os métodos pedagógicos e os recursos de conhecimento que os alunos trazem consigo para a sala de aula. O CCIM também valoriza as entidades casa, escola, igreja e comunidade, já que seus papéis são fundamentais para o desenvolvimento harmonioso da criança. Os seis domínios do CCIM são: conexões, comunidade, cultura, caráter, conteúdo e consciência crítica. Farei um elo de ligação com ensinamentos bíblicos e exemplos de ensino culturalmente responsivo a cada domínio e mostrarei como eles funcionam em escolas e salas de aula culturalmente responsivas.

Domínio 1 - Conexões

Neste domínio, o professor inicia o processo de aprendizagem desenvolvendo uma parceria mutuamente respeitosa, um relacionamento recíproco e de mão dupla com os alunos. Isso se equipara ao método de construção de relacionamentos de Jesus. Segundo Ellen White, as conexões pessoais eram essenciais para o Seu ensino. Ela escreveu: “Cristo, em Seu ensino, tratava com os homens individualmente. Foi pelo trato e convívio pessoal que Ele preparou os doze. Era em particular, e muitas vezes a um único ouvinte, que dava Suas preciosas instruções [...] Mesmo a multidão que tantas vezes Lhe dificultava os passos não era para Cristo uma massa indistinta de seres humanos. Falava diretamente a cada espírito e apelava para cada coração. Observava a fisionomia dos ouvintes, notava-lhes a iluminação do semblante, o instantâneo e respondente olhar que dizia haver a verdade atingido a alma.” 17

Essa conexão pessoal ultrapassa as fronteiras de raça, classe e gênero e exige que os professores desenvolvam habilidades de comunicação intercultural que começam com o exame de seus próprios pressupostos culturais, estereótipos e valores. Os professores devem ir além do ensino “daltônico”, que ignora as diferenças culturais dos alunos em vez de adotá-las como recurso. Esse tipo de ensino pode afetar diretamente os relacionamentos com os alunos e suas famílias. Para honrar a identidade dos alunos, os educadores devem vê-los de forma individual e coletivamente, através dos olhos de Jesus, e mostrar-lhes cuidado, ficando à porta para cumprimentá-los individualmente a cada manhã, tirando um tempo para ouvir suas alegrias, orando com eles quando expressam sentimentos de inadequação, medo e/ou frustração e comemorando os avanços que realizaram espiritualmente, academicamente e fisicamente.

Além disso, os professores devem se familiarizar com as origens culturais dos alunos, suas famílias e as comunidades em que residem; devem desenvolver uma compreensão da singularidade de cada aluno e entender as diversas culturas e formas de aprender como janelas para conhecer sua identidade, suas perspectivas e seus valores.18 Terry-Ann Griffin, uma coordenadora adventista de currículo, consegue isso fazendo o seguinte: “Peço aos professores que considerem o uso de pesquisas e/ou questionários. Ao construir relacionamentos com os alunos, os professores podem aprender um pouco sobre os seus [...] interesses. O envio de pesquisas e/ou questionários aos pais e alunos no início do ano letivo é uma maneira significativa de começar a planejar um ano letivo que inclua a herança, a música, o idioma dos alunos etc.”19

Esta parceria mutuamente respeitosa deve incluir os alunos como coinvestigadores do conhecimento. Freire20 acreditava que o diálogo autêntico ocorre quando as precondições (radicais) do amor, da humildade, confiança e esperança estão presentes. Como Jesus, as ações e relacionamentos dos professores na sala de aula devem refletir o cuidado e a preocupação que Ele demonstrou a cada pessoa que conheceu.

As crianças que desenvolvem relacionamentos significativos com seus professores têm menos problemas de comportamento e demonstram mais envolvimento no processo de aprendizagem. Quando as ações dos professores comunicam um cuidado genuíno, os alunos vão querer agradá-los e alcançar as altas expectativas estabelecidas para eles. Essa abordagem preventiva à disciplina21 pode ajudar a produzir comportamentos que contribuam para o desenvolvimento de caracteres semelhantes a Cristo.

Domínio 2 - Comunidade

De acordo com a estrutura do CCIM, a comunidade é definida de duas maneiras. A primeira relaciona-se com a cultura do cuidado que pode ser criada dentro de uma escola e por professores individuais. Com base no trabalho de Cavanaugh,22 a teoria da cultura do cuidado acentua a importância de as escolas enfatizarem mais as relações que o currículo ao determinar o objetivo e as metas da instituição.

Escolas e salas de aula culturalmente responsivas são lugares onde as vozes, experiências e ideias dos alunos são encorajadas e valorizadas e onde os alunos são ensinados a ser pensadores críticos independentes, em vez de “meros refletores do pensamento de outras pessoas”.23 O cuidado começa por cultivar um ambiente de respeito, honestidade, integridade e empatia através do compartilhamento de lições bíblicas, exemplo diário, experiências práticas e de professores aplicando o exemplo de Cristo. Professores atenciosos nutrem um senso de comunidade e segurança na sala de aula, apoiando o engajamento social e acadêmico dos alunos.24 Essas salas de aula se afastam das teorias do gerenciamento tradicional (“fazendo para” alunos) para salas de aula de atendimento (“trabalhando com” alunos). A Tabela 1 ilustra algumas diferenças fundamentais entre as salas de aula tradicionais e as salas de aula/escolas de atendimento.

Em uma sala de aula culturalmente responsiva, o gerenciamento e a disciplina devem ser redentores por natureza. Taylor postulou que “a disciplina redentora serve como um meio pelo qual os professores disciplinam seus alunos e os ensinam que sua obediência às regras é o fruto de sua salvação e que sua obediência só é possível pela graça de Deus”.25 A disciplina deve ser fundamentada no amor e respeito mútuo entre professor e aluno, com expectativas e limites claros firmemente estabelecidos. A disciplina deve ser tão ponderada e criativa que se torne a norma da sala de aula, guiando as regras de engajamento.26

O segundo tipo de comunidade enfatiza a necessidade de formar parcerias com famílias, igrejas e comunidades para nutrir e desenvolver todo o aluno. Os professores culturalmente responsivos procuram envolver as famílias da escola de várias maneiras, indo aos pais onde eles estão social e espiritualmente e reconhecendo que o diálogo aberto é importante. Exemplos de como o Professor Mestre fez isso podem ser encontrados em todos os evangelhos, como o encontro de Jesus com a mulher no poço (Jo 4:1-30). Jesus encontrou a mulher onde ela estava. Ao se conectar com ela, Ele quebrou vários tabus judaicos: (1) Ele falou com uma mulher que era samaritana; e (2) Ele pediu um pouco de água da sua taça, que era considerada impura. Isso não importava para Jesus porque Ele estava mais interessado em que ela recebesse a vida eterna do que em seguir os costumes e tradições da época.

Alguns acreditam que interagir com alunos, famílias e comunidades de outra fé/religião ou com os incrédulos os torna menos cristãos ou pode ameaçar sua fé. Cristo disse: “Vós sois a luz do mundo” e “assim brilhe também a vossa luz diante dos homens” (Mt 5:14,16),27 para que todos possam conhecê-Lo (Jo 17:21). Como a comissão do evangelho pode ser cumprida se Seus seguidores não interagem com pessoas de outra fé e mesmo com aqueles que não professam religião?

Parcerias fortes abrirão acesso a mais recursos para a escola, bem como oportunidades para testemunhar e evangelizar a comunidade. A Tabela 2 inclui ideias sobre como forjar parcerias escola-lar-igreja-comunidade.

Domínio 3 - Cultura

O domínio da cultura reconhece e celebra as diferenças entre os alunos (cultura, raça, etnia, classe social, idioma, gênero etc.), criando assim um ambiente de aceitação que promove respeito, igualdade e afirmação. No entanto, para os cristãos, nem todos os aspectos da cultura podem ser celebrados, a saber aqueles que estão em oposição a Cristo e promovem o amor do mundo e do eu, ou que prejudicam o ser humano. João 17:16 sugere que, embora os seguidores de Cristo possam estar no mundo, eles não são do mundo. Assim, à medida que as escolas adventistas incorporarem esse domínio, rejeitarão aqueles elementos culturais (não as pessoas) que vão contra a Palavra de Deus, seja na cultura majoritária ou minoritária. Em vez disso, elas apresentarão os ensinamentos de Deus e enfatizarão Sua graça.

O ensino culturalmente responsivo envolve o foco no aluno, considerando seus recursos de conhecimento como possibilidades, e não déficits. Portanto, um primeiro passo importante é conhecer a cultura dos alunos. Esses recursos podem ser usados para tornar o processo de aprendizagem relevante e significativo. À medida que os professores explorarem a cultura dos alunos, eles descobrirão como os alunos aprendem melhor e poderão usar esse novo conhecimento para elaborar práticas de ensino.

A premissa desse domínio não é que os professores encontrem maneiras de incluir todas as culturas em todas as aulas todos os dias. A expectativa é que eles desenvolvam relacionamentos pessoais com seus alunos e usem o que sabem sobre eles para atender às suas necessidades e envolvê-los.

Para garantir que a vida, cultura e história dos alunos estejam representadas no currículo, os professores devem buscar recursos, como narrativas pessoais, literatura, pais ou famílias da comunidade, sites e/ou outras contranarrativas, para complementar o currículo tradicional. Por exemplo, se há alunos em uma classe de História que peretençam a um grupo marginalizado cuja narrativa está faltando no livro didático, o professor pode complementar a perspectiva dos autores desse livro. Os professores podem ser criativos em encontrar maneiras de destacar as contribuições históricas de grupos que representam as culturas e as vozes dos alunos em sala de aula, bem como a de outros grupos marginalizados. Todos os aspectos da cultura, tanto positivos quanto negativos, devem ser comparados ao ideal de Deus e Seu plano final para Seus filhos. Quando as culturas dos alunos são incluídas e honradas, as salas de aula se tornam lugares onde os alunos prosperam. Os alunos se sentirão mais confortáveis e estarão mais propensos a ver os outros de forma positiva.

Alguns se opõem à ideia de abraçar e celebrar as diferenças de todos os alunos, especialmente quando os estilos de vida dos alunos são diferentes ou se opõem à cultura ou sistema de crenças religiosas da escola ou a um padrão bíblico. Os professores cristãos devem ensinar e ser exemplo dos princípios da Bíblia e devem se preocupar com o quanto as influências culturais afetam os alunos, suas famílias e a sociedade. No entanto, é o trabalho do Espírito Santo convencer. Seguindo a direção de Deus, sementes de amor e verdade podem ser plantadas no coração e mente dos estudantes. Os professores são chamados a amar como Jesus ama. Construir sobre o caráter de Cristo não significa que todos tenham de concordar, mas significa mostrar respeito, bondade e compaixão. Os alunos devem experimentar esse amor em palavras, obras e ações (1Jo 3:18).

Domínio 4 - Caráter

Este domínio se concentra na construção do caráter. De acordo com Ellen White: “A salvação de seus alunos é o mais elevado interesse confiado ao professor temente a Deus. Ele é colaborador de Cristo, e seu especial e determinado esforço deve ser salvar almas […] e ganhá-las para Jesus Cristo.”28 As salas de aula culturalmente responsivas devem ser esperançosas, alegres, gentis e visionárias.29 Nessas salas de aula são criadas oportunidades para os alunos desenvolverem caracteres semelhantes ao de Cristo à medida que os professores os capacitarem a ser as mãos e os pés de Jesus.

Jesus, o Professor Mestre, ouviu as vozes das margens e ficou interessado nos rejeitados; Ele procurou ministrar a todas as necessidades da humanidade, sem Se importar com quem eram as pessoas. “Sua compaixão desconhecia limites;”30 Ele não apenas sentiu empatia para com o menor deles, mas também assumiu sua identidade e Se solidarizou com eles. Isso é exposto na seguinte citação: “Fui Eu que tive fome e sede. Fui Eu o estrangeiro. Fui Eu que estive nu. Fui Eu que estive doente. Fui Eu que estive na prisão [...] Ao fecharem contra Mim sua porta, ao passo que seus bem mobiliados aposentos estavam desocupados, Eu não tinha onde reclinar a cabeça [...] Quando vocês desfrutavam saúde, Eu estava doente.” 31

Em escolas e salas de aula culturalmente responsivas, os alunos deveriam seguir o conselho: “Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas” (Is 1:17).32 Isso pode ser conseguido compartilhando com os alunos as muitas histórias da Bíblia que ilustram como Cristo e outros personagens bíblicos foram agentes de mudança. Os professores devem, no entanto, ir além de falar sobre o Agente de Mudança e criar oportunidades para os alunos refletirem e agirem criticamente sobre questões que continuam a desafiar este mundo, como o racismo, a discriminação e a marginalização; ajudá-los a promover e abraçar o respeito e o amor pelos outros e incentivá-los a buscar ativamente respostas às injustiças sociais. Os alunos devem aprender a empatia, ou seja, colocar-se no lugar do outro e imaginar como se sentiria na mesma situação.

Os educadores devem procurar envolver os alunos na investigação, no pensamento crítico e na ação crítica, para que as escolas e as salas de aula se tornem lugares de esperança e promessa. Embora muitos alunos tenham a capacidade inata de mostrar cuidado para com seus colegas e outros, alguns precisarão ser ensinados. Os professores não podem, sozinhos, transformar todas as escolas e comunidades, mas podem ajudar a moldar personagens para o reino e ensinar seus alunos que juntos eles podem ser instrumentos de Cristo para fazer uma diferença positiva no mundo. Esses são alguns dos propósitos de escolas e igrejas adventistas.

Domínio 5 - Conteúdo

Este domínio sustenta a conexão entre o conhecimento incorporado no currículo e o aprendiz. A “concepção bancária” da educação, termo cunhado por Freire, descreve os estudantes como recipientes vazios nos quais os educadores devem depositar conhecimento. Aqueles que alegam ter autoridade para fazer esses depósitos são os que definem os fatos que devem ser adquiridos pelos alunos. De acordo com esse modelo, espera-se que os alunos sejam condescendentes e armazenem passivamente os depósitos do “conhecimento oficial”. Isso ignora os fundos de conhecimento dos alunos e sua capacidade de serem pensadores críticos que participam ativamente do processo de aprendizagem.

O domínio do conteúdo apoia a visão de que os alunos podem aprender a partir de experiências, conteúdo e instruções conectados a seus conhecimentos e culturas, que os expõem a múltiplas formas de conhecimento. Freire33 recomendou a problematização como alternativa à educação bancária, abandonando a tradicional dicotomia entre professor e aluno e substituindo-a por um arranjo em que professor e aluno são ativos no processo de aprendizagem e colaboram na construção do conhecimento. Os alunos são incentivados a fazer perguntas, e são feitas conexões significativas entre o que eles estão aprendendo e sua vida fora da sala de aula.

O aprendizado que é pessoal e significativo é gratificante para alunos de diversas origens porque os ajuda a estabelecer “um elo entre as experiências de sala de aula e o cotidiano dos alunos”.34 O uso de parábolas pelo Professor Mestre (Mt 18:23-35; 25:14-30; Lc 15:3-7; 15:8-10; Mc 4:1-20, 26-29) demonstrou Seu método de ensino preferido. O conteúdo dessas parábolas era culturalmente responsivo e fornecia um currículo intelectual transformador.

Amber Willis, uma pesquisadora especialista em matemática e educadora adventista, reconhece a importância de oferecer oportunidades de aprendizagem que cruzem as fronteiras tradicionais da sala de aula. Para uma de suas aulas de geometria, ela levou seus alunos ao moderno e sofisticado distrito artístico de sua comunidade urbana. Durante as visitas a várias galerias de arte, seus alunos foram designados para investigar o uso da matemática pelos artistas. Não foi difícil encontrar conexões entre a obra de arte e o conteúdo da geometria, como o uso de ângulos, simetria e padrões. O que levou as investigações de seus alunos para o próximo nível foram as entrevistas com os artistas locais, que explicaram o significado da arte para eles, bem como a forma como as ideias matemáticas foram intencionalmente incorporadas em suas criações.

Essa professora usou a geografia, a língua e a cultura locais para ilustrar o uso intencional da matemática no design artístico e desmascarou a ideia de que apenas algumas pessoas, ou um determinado tipo de pessoa, tinham acesso ao conteúdo de obras artísticas. Amber sabia que, a menos que ela incorporasse oportunidades de aprendizado que parecessem familiares e seguras para seus alunos, ela “nunca [criaria] uma cultura de sala de aula que promovesse a curiosidade sobre matemática nem criaria autênticas pontes de relevância com o conteúdo”.35

Domínio 6 - Consciência crítica

A consciência crítica é o processo pelo qual os indivíduos se conscientizam das práticas, dos sistemas, das ideologias e dos poderes internos e externos que buscam oprimir ou desumanizar os seres humanos.36 Depois de despertar a consciência, eles usam seus conhecimentos recém-descobertos para identificar o que os oprime (ou oprime outros em torno deles) e transformam seu conhecimento em um veículo ou catalisador de mudança. Como foi observado no domínio do caráter, Cristo era um agente de mudança; Ele tinha compaixão e empatia pelos desprivilegiados. Lembre-se de como ele interagiu com Zaqueu (Lc 19:1-10), com a mulher no poço (Jo 4:1-42) e a mulher apanhada em adultério (Jo 8:1-11). Ele forneceu “a eles uma percepção emancipada de sua própria dignidade aos olhos de Deus”.37 Esta foi uma parte significativa da missão de Cristo na Terra: ajudar Seus alunos a entender sua condição e libertá-los.

Os professores comprometidos em facilitar a conscientização dos alunos sobre as desigualdades na sociedade espraiam a compaixão e a empatia de Cristo ao envolver os alunos intencionalmente em oportunidades de mudar o mundo. Questões sociais atuais que os estudantes podem defender são: abrigos para os desabrigados, recursos para acabar com a insegurança alimentar, leis para proteger vítimas e potenciais vítimas de agressão, aplicação de leis acerca do trabalho infantil, água potável etc. A consciência dessas injustiças é meramente a ponta do iceberg. A conscientização deve ser associada à ação apropriada. Os educadores devem estar dispostos a mergulhar fundo na descoberta dos verdadeiros culpados dessas questões sociais com os alunos e ensiná-los a se conectar e usar o que estão aprendendo dentro da sala de aula para combater as injustiças e desigualdades que existem em seu mundo.

Harris e Baxley39 contam uma história que ilustra uma faceta desse domínio. Uma professora ouviu vários de seus alunos do jardim de infância discutindo sobre um mendigo desabrigado que eles encontravam todas as manhãs a caminho da escola. Ela decidiu explorar o tema da falta de moradia com o objetivo de mover seus alunos de um estado de curiosidade e confusão para a capacitação por meio da ação.

Primeiramente, ela separou um tempo na agenda diária para falar sobre a falta de moradia. Todas as manhãs os alunos tiveram a oportunidade de compartilhar preocupações e fazer perguntas sobre o assunto. Em seguida, com a ajuda de vários candidatos à formação de professores designados para a sala de aula como parte de sua formação na área, ela compartilhou as perguntas do jardim de infância com os pais, compilou uma lista de livros informativos da biblioteca sobre o tema, coletou livros ilustrados para serem lidos durante o período de leitura em sala, em voz alta, e se preparou para ajudar seus alunos a transformar suas perguntas em um plano de ação.

Durante um período de seis semanas, os alunos do jardim de infância trouxeram seu dinheirinho e começaram a encher um grande pote de “donativos”. Quando o pote se encheu, a professora organizou uma viagem para depois da aula até a mercearia do bairro onde a turma comprou mantimentos com os trocados que haviam coletado. Eles entregaram os suprimentos comprados para um programa comunitário que atendia os desabrigados e famintos. A turma deixou o centro sentindo-se fortalecida e encorajada, convencida de que uma pessoa pode fazer a diferença.

Os alunos dessa turma de jardim de infância foram as mãos e os pés de Jesus. Muitas das salas de aula nas escolas adventistas estão participando de uma variedade de projetos de aprendizagem voltados para o serviço e outras oportunidades de liderança servidora.

Assim, o objetivo do domínio da consciência crítica é que os professores exortem os alunos a alcançar um nível de consciência verdadeira, no qual a sensibilidade para a necessidade humana se torne um modo de vida, e não apenas um evento ou projeto de uma única vez. Isso significa abraçar autenticamente a pessoa de Cristo. Essa deve ser a mensagem em todas as salas de aula e escolas adventistas. Tornar isso a missão das escolas adventistas garantirá que os alunos alcancem o sucesso acadêmico e se comprometam a abordar as muitas formas de injustiça no mundo ao seu redor.40

Conclusão

O Professor Mestre procurou oportunidades de proporcionar experiências de aprendizado igualitário para Seus alunos. Sua instrução foi eficaz porque estava ancorada nos acontecimentos da vida deles. Reconhecer e honrar as origens culturais, as famílias e as experiências domésticas dos alunos é primordial na criação de salas de aula culturalmente responsivas. O primeiro passo para implementar esse tipo de sala de aula é tomar consciência do impacto do currículo oculto, os aspectos não examinados das expectativas e perspectivas culturais e ser consciente sobre como evitar respostas e comportamentos que impactam negativamente os alunos.

Conhecer os alunos e as famílias por meio de avaliações de necessidades, pesquisas, visitas domiciliares etc. é o próximo passo. À medida que professores e administradores conhecerem os membros da comunidade, eles descobrirão uma variedade de recursos que podem ser usados nas salas de aula. Todo esforço deve ser feito para infundir os recursos de conhecimento dos alunos no currículo e na instrução, de modo que suas experiências de aprendizado sejam relevantes e autênticas. Coletivamente, as escolas devem ser intencionais sobre a criação de experiências que garantam que os alunos sejam proficientes em resultados de aprendizado no nível escolar e tenham oportunidades de crescer à semelhança do Professor Mestre.


Este artigo foi revisado por pares.

Kalisha A. Waldon

Kalisha A. Waldon, PhD, é professora e diretora do Departamento de Educação do Palm Beach State College, em Palm Beach Gardens, Flórida, Estados Unidos, e instrutora adjunta na Florida Atlantic University, em Boca Raton, Flórida. A Dra. Waldon tem mais de 16 anos de experiência como líder educacional. Ela atuou como diretora e professora na Southern Union Conference por 11 anos. A Dra. Waldon obteve um doutorado em Currículo e Instrução, um mestrado em Educação para a Leitura pela Florida Atlantic University e um bacharelado em Ensino Fundamental na Oakwood University em Huntsville, Alabama, Estados Unidos. Sua principal agenda de pesquisa é fundamentada em justiça social e pedagogia equitativa. Ela é a CEO e fundadora da Transformation by Design Consulting, LLC.

Citação recomendada:

Kalisha A. Waldon, “Por que o ensino culturalmente responsivo é importante,” Revista Educação Adventista 47:1 (Julho–Setembro, 2018). Disponível em https://www.journalofadventisteducation.org/pt/2018.5.3.

NOTAS E REFERÊNCIAS

  1. Gloria Ladson-Billings, The Dreamkeepers: Successful Teachers of African American Children (San Francisco: Jossey-Bass Publications, 1994):17 e 18.
  2. Ellen G. White, Educação, p. 86. Disponível em: https://egwwritings.org.
  3. Id., Parábolas de Jesus, p. 2. Disponível em: https://egwwritings.org.
  4. Luis C. Moll et al., “Funds of Knowledge for Teaching: Using a Qualitative Approach to Connect Homes and Classrooms,” Theory Into Practice 31:2 (primavera de 1992):132-141. DOI: 10.1080/00405849209543534.
  5. Tony Townsend e John MacBeath, eds., International Handbook of Leadership for Learning (New York: Springer, 2011).
  6. James A. Banks e Cherry A. Banks, Multicultural Education: Issues and Perspectives (Hoboken, New Jersey: John Wiley and Sons, 2010):8.
  7. Geneva Gay, Culturally Responsive Teaching: Theory, Research, and Practice (New York: Teachers College Press, 2010).
  8. Ibid.
  9. Ibid.
  10. Nyaradzo Mvududu, “Culturally Responsive Teaching: The Bible Tells Me So,” International Christian Community of Teacher Educators 5:1 (2010):artigo 5. Disponível em: https://digitalcommons.georgefox.edu/icctej/vol5/iss1/5.
  11. Gay, Culturally Responsive Teaching: Theory, Research, and Practice.
  12. Ellen G. White, A Call to Stand Apart: Challenging Young Adults to Make an Eternal Difference: Selections From the Writings of Ellen G. White (Hagerstown, Md.: Review and Herald, 2002):14.
  13. Paul C. Gorski, Reaching and Teaching Students in Poverty: Strategies for Erasing the Opportunity Gap (New York: Teachers College Press, 2013).
  14. Lois Weiner, “Challenging Deficit Thinking: Urban Teachers Must Question Unspoken Assumptions about the Sources of Their Students’ Struggles,” Educational Leadership 64:1 (setembro de 2006):42-45; Christine E. Sleeter, Un-standardizing Curriculum: Multicultural Teaching in the Standards-based Classroom (New York: Teachers College Press, 2005).
  15. Lisa Delpit, Other People’s Children: Cultural Conflict in the Classroom (New York: The New Press, 1995); Beverly Daniel Tatum, Why Are All the Black Kids Sitting Together in the Cafeteria? And Other Conversations About Race (New York: Basic Books, 1997).
  16. Traci P. Baxley e Genyne H. Boston, “Curriculum Connections Instructional Model,” EdConnections LLC (2016). Disponível em: http://edconnections.org/?page_id=85.
  17. Ellen G. White, Educação, p. 231. Disponível em: https://egwwritings.org.
  18. Genyne H. Boston e Traci P. Baxley, Connecting Readers to Multiple Perspectives: Using Culturally Relevant Pedagogy in a Multicultural Classroom (Tallahassee, Fla.: EdConnections, 2014); Ladson-Billings, The Dreamkeepers: Successful Teachers of African American Children.
  19. Terry-Ann Griffin, entrevista pessoal. Nome usado com permissão.
  20. Paulo Freire, Pedagogia do oprimido. 50. ed. (São Paulo: Paz e Terra, 2011).
  21. Mark Boynton e Christine Boynton, Educator’s Guide to Preventing and Solving Discipline Problems (Alexandria, Va.: Association for Supervision and Curriculum Development [ASCD], 2010).
  22. Tom Cavanagh, “Schooling for Peace: Creating a Culture of Care in an Elementary School.” PhD diss., Colorado State University, 2004. ProQuest (AAT 305204156).
  23. Ellen G. White, True Education, p. 17.
  24. Nell Noddings, Starting at Home: Caring and Social Policy (Berkeley, Calif.: University of California Press, 2002).
  25. Chris P. Taylor, “The Need for Redemptive Discipline in a Christian School,” Christian Perspectives in Education 6:1 (inverno de 2013):3. Disponível em: http://digitalcommons.liberty.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1095&context=cpe.
  26. Boynton e Boynton, Educator’s Guide to Preventing and Solving Discipline Problems.
  27. Mateus 5:16. Bíblia Sagrada, Almeida Revista e Atualizada ®, ARA® Copyright ©. Todos os direitos reservados.
  28. Ellen G. White, Fundamentos da educação cristã (Nashville, Tenn.: Southern Publishing, 1923):116.
  29. Wayne Au, Bill Bigelow e Stan Karp, eds., Rethinking Our Classrooms: Teaching for Equity and Justice, v. 1 (Milwaukee, Wisc.: Rethinking Schools Ltd., 2007).
  30. Ellen G. White, A ciência do bom viver, p. 8. Disponível em: https://egwwritings.org/.
  31. Id., Testemunhos para a igreja 2, p. 25. Disponível em: https://egwwritings.org/.
  32. Isaías 1:17. Bíblia Sagrada, Almeida Revista e Atualizada ®, ARA® Copyright ©. Todos os direitos reservados.
  33. Paulo Freire, Pedagogia do oprimido.
  34. Ladson-Billings, The Dreamkeepers: Successful Teachers of African American Children, 94.
  35. Amber Willis, entrevista pessoal. Nome usado com permissão.
  36. Paulo Freire, Pedagogia do oprimido.
  37. Heekap Lee e Ruth Givens, “Critical Consciousness and the Christian Conscience: Making the Necessary Connections Between Faith-based Learning and Critical Pedagogy,” Journal of Research on Christian Education 21:3 (dezembro de 2012):205.
  38. Joan Wink, Critical Pedagogy: Notes from the Real World (New York: Pearson Publishing, 2010).
  39. Deborah L. Harris e Traci P. Baxley, “Hungry, Homeless, and Hurting: Helping Novice Teachers Develop a Curriculum of Hope for Today’s Children of Poverty.” In Nancy P. Gallavan e Leann G. Putney, eds., Teacher Education Yearbook XXV: The Association of Teacher Educators (New York: Rowman and Littlefield, 2016):114.
  40. Gay, Culturally Responsive Teaching: Theory, Research, and Practice; Ladson-Billings, The Dreamkeepers: Successful Teachers of African American Children.