Perspectivas | Anthony Bosman

Matematica a luz da eternidade:

por uma compreensao adventista da matematica

Pitágoras, nascido na ilha grega de Samos, no século VI a.C., dedicou seus primeiros anos a viajar e aprender. Estudou com os astrônomos da Mesopotâmia e viajou para o Egito, onde aprendeu matemática com os sacerdotes. Especula-se que ele chegou até a Índia, reunindo as descobertas matemáticas dessas diversas culturas. São dele os créditos por fornecer a primeira prova do Teorema de Pitágoras, o qual aborda os comprimentos laterais de um triângulo retângulo.

A experiência de Pitágoras é um testemunho de como a matemática pode transcender outras visões de mundo concorrentes. Em minha própria experiência (atualmente perto da conclusão do meu doutorado em Matemática), estudei com matemáticos em três continentes e com colegas que representam quase todas as grandes cosmovisões e religiões. A comunidade da matemática tem grande orgulho da maneira como nossa antiga disciplina tem sido um ponto de encontro para indivíduos em todo o mundo.

Consequentemente, podemos ser tentados a acreditar que, uma vez que as verdades matemáticas parecem independentes de compromisso religioso, há pouca motivação para que uma pessoa de fé possa incorporar essa fé no estudo da matemática. A história, porém, apresenta outra versão. Pitágoras desenvolveu um grande número de discípulos, que formaram uma religião em torno da matemática, acreditando que os números tinham características divinas, especialmente aquelas com propriedades matemáticas interessantes. Platão, o grande filósofo grego que tanto influenciou o pensamento ocidental, tornou a matemática um ponto central em sua ontologia e epistemologia, acreditando que os objetos matemáticos eram entidades eternas e que estudá-los era a melhor maneira de atrair a alma para a verdade.1 E não foi por acaso que muitos filósofos e teólogos posteriores, como Pascal e Descartes, também eram matemáticos. Kant tornou a geometria euclidiana tão fundamental para sua teoria do conhecimento que a descoberta da geometria não euclidiana no século seguinte, apesar de ser uma descoberta puramente matemática, representava um desafio maior para seus argumentos do que qualquer crítica filosófica.2

Por que o interesse de filósofos e teólogos pela matemática? Por causa do seu desejo de compreender a natureza da realidade (e como os seres humanos podem chegar a um conhecimento da realidade) e porque a matemática demonstrou ser a ferramenta mais confiável no estudo do mundo natural. Mais do que isso, porém, a matemática é única porque parece oferecer certeza em forma de prova. As teorias científicas e o estudo histórico, embora úteis, permanecem abertos à revisão, enquanto a matemática sozinha parece fundamentar a verdade em provas dedutivas irrefutáveis.

Matemática e adventismo

Entre no adventismo. No coração do adventismo estão reivindicações radicais sobre a natureza da realidade e a Fonte do verdadeiro conhecimento. Construímos um sistema educacional global que ensina os alunos a aprender à luz da eternidade: fazer da revelação de Deus nas Escrituras o fundamento de seu aprendizado; entender as ciências naturais como testemunhas de um Criador majestoso e amoroso; ver a história como a condutora ao grande clímax no retorno de Cristo; valorizar o corpo humano como o templo do Espírito Santo; e descobrir a alegria do serviço.

E a matemática? Como o adventismo vê esse assunto? Devemos nos debruçar seriamente sobre essa questão; na verdade, foi-nos dada a seguinte ordem: “Amarás o Senhor, teu Deus [...] de todo o teu entendimento” (Mateus 22:37).3 “Todo” inclui a matemática, especialmente para aqueles de nós que gastam muito tempo estudando e ensinando matemática.

Os padrões da matemática para a educação adventista incluem o objetivo de “ajudar os alunos a aprender a ver e a refletir a imagem de Deus ao desenvolver proficiência em diferentes aspectos da matemática”, chegando a “reconhecer a Deus como Criador e Sustentador de um universo ordenado”.4 Objetivos nobres. Mas o que ser criado à imagem de Deus ou reconhecer a Deus como Criador tem a ver com a matemática? Na verdade, enquanto não respondermos a essa pergunta e formos capazes de deixar isso claro na mente dos alunos, será que poderemos realmente considerar a educação matemática parte da educação adventista?

Há duas maneiras em que comumente pensamos sobre matemática. A primeira é tratá-la como meramente uma ferramenta útil para ser produtiva na sociedade e apreciar a estrutura do mundo criado. A Escritura nos manda pagar impostos e nos aponta os céus como demonstração da glória de Deus. Uma vez que a matemática é essencial para essas tarefas, concluímos que já temos integrado essa disciplina. Na verdade, a matemática é uma ferramenta extremamente útil para essas tarefas, mas será que existe valor em estudar a matemática como um fim em si mesma?

Por exemplo, Pierre de Fermat afirmou que não existem os inteiros a, b e c que satisfaçam a equação a+b=c onde n ≥ 3 onde (existem muitas soluções para n = 2 tais como 32+42 = 52). Depois de 300 anos de tentativas fracassadas para provar esse teorema de Fermat, os matemáticos finalmente conseguiram. Será que essa conquista tem valor por si mesma? Ou esse trabalho permanece desprovido de significado até que se possa aplicar o resultado matemático à compreensão de algum fenômeno natural? E como respondemos ao aluno que pergunta: por que a matemática é tão apropriada para explicar o mundo natural?

A segunda abordagem tenta responder à questão de por que devemos valorizar a matemática e, para isso, faremos uma varredura pelas ciências naturais sugerindo que objetos matemáticos, tais como números, conjuntos e funções, são tanto uma parte da criação de Deus como o são as rochas, as árvores ou as galáxias. Queremos que nossos alunos pensem nos números como parte da criação de Deus? Se sim, vale perguntar: estamos ensinando que Deus criou os inteiros primeiro, depois os racionais seguidos pelos irracionais? E os números imaginários? Os padrões matemáticos adventistas parecem endossar esse ponto de vista quando incluem o objetivo de ensinar os alunos a apreciar o “dom de Deus do sistema de números”.5 Referir-se ao sistema de números como “dom de Deus” leva os alunos a crer que Deus estabeleceu os axiomas de Peano e o fundamento da aritmética, exatamente como Ele deu os mandamentos a Moisés. Estamos comprometidos com essa posição?

Talvez o próprio Deus seja um matemático! Galileu sugeriu que Deus criou o universo usando a linguagem da matemática e, portanto, os objetos matemáticos são realmente os “pensamentos de Deus” ou objetos existentes na “mente de Deus”. Isso pode ser visto como uma reformulação teísta do ponto de vista de Platão de que objetos matemáticos existem entre as “formas” eternas e imutáveis que podem ser acessadas por um raciocínio devidamente treinado. Mas os cristãos fariam bem em dar alguma consideração ponderada antes de abraçar essa visão, pois o Novo Testamento rejeita a razão como meio suficiente para discernir os pensamentos de Deus.6 Desejamos ensinar que a prova matemática é um meio para acessarmos a mente de Deus?

No restante deste artigo, eu ofereço uma reflexão de como cheguei a entender a natureza e o valor de fazer e ensinar matemática a partir de uma perspectiva adventista. Devo admitir que muitas reflexões ainda são questões vivas com as quais espero estar inteiramente engajado durante toda a minha vida. Minha oração é que este artigo ajude a gerar algum diálogo significativo e uma futura bolsa de estudos. Em última análise, espero ver uma geração de estudantes cuja fé em Cristo sirva como motivação para estudar seriamente a matemática e cuja apreciação pela matemática fortaleça seu amor por Deus.

Matemática e realidade

Apesar da rica história da matemática, ainda estamos sem um consenso histórico sobre o que é a matemática ou por que ela funciona. Muitos consideram a visão de Godfrey Hardy de que “a realidade matemática está fora de nós, que nossa função é descobri-la ou observá-la e que os teoremas que provamos e que descrevemos com grandiloquência como nossas ‘criações’ são simplesmente as notas de nossas observações”.7 Certamente, muitas vezes falamos de objetos matemáticos como se fossem objetos reais que existem em algum lugar, mas essa visão introduz questões muito difíceis de onde essa realidade matemática realmente existe e por que a prova lógica é o nosso meio de observá-la.

Através da lente da fé, a matemática é muito mais do que manipular símbolos. Em vez disso, ela é portadora de uma imagem em seu papel de cocriadora com Deus.

Outros, especialmente mais recentemente, têm argumentado que a matemática é menos semelhante às ciências naturais e mais como as artes, isto é, os teoremas matemáticos não são descobertos, eles são criados. Isso nos permite entender a afirmação de Karl Weierstrass de que “o verdadeiro matemático é um poeta”.8 Ao captar o sentimento de criatividade presente na produção da matemática moderna, a ideia de que a matemática é inteiramente uma construção humana enfrenta alguns sérios desafios que são bem expressos por Eugene Wigner em seu notável artigo “The unreasonable effectiveness of mathematics in the natural sciences” (A eficácia irracional da matemática nas ciências naturais). Primeiramente, Wigner observa: “O grande matemático explora plenamente, quase sem piedade, o domínio do raciocínio permissível e rodeia o inadmissível. O fato de que a sua imprudência não o leva a um pântano de contradições é um milagre em si mesmo: certamente é difícil acreditar que nosso poder de raciocínio foi trazido pelo processo de seleção natural de Darwin à perfeição que parece possuir.”9

Em empreendimentos criativos, especialmente aqueles assumidos por um grande número de pessoas, é importante que se tenha um mapa claro de onde se está indo. Nós produzimos projetos e modelos antes de construir arranha-céus. Mas parece que a matemática tem sido uma adição descuidada de quartos e pisos que, ao invés de produzir incoerência, tem consistentemente apresentado resultados que a comunidade científica descreve como surpreendentemente elegantes e bonitos. Por exemplo, não havia garantia de que o movimento arriscado de estender os números reais aos números complexos, definindo i=√-1, enriqueceria o campo. E, no entanto, em vez de conduzir a uma contradição lógica, isso tornou possível a descoberta de relações belas e surpreendentes, como a fórmula de Euler: ei+1=0. É difícil evitar a impressão de que tais relacionamentos estão apenas esperando para ser encontrados.

Wigner continuou a argumentar que a matemática não só é surpreendentemente coerente internamente, mas é excessivamente própria para explicar o mundo natural. Ele observou que, embora a matemática tenha sido bastante fundamentada em problemas físicos séculos atrás, quando havia pouca distinção entre um matemático e um físico, a partir do século XIX, a matemática tornou-se uma disciplina abstrata, bastante distanciada do mundo que os matemáticos habitavam. Por exemplo, os números complexos são amplamente considerados essenciais para as formulações modernas da mecânica quântica, embora a introdução de i tenha sido feita inteiramente independente da consideração natural.

Ou, considere a geometria euclidiana, que foi construída a partir de uma fundação de cinco axiomas intuitivos que foram bem fundamentados no mundo físico. Os matemáticos esforçaram-se por demonstrar que o quinto axioma, que trata de propriedades de linhas paralelas e é mais complicado do que o resto, foi uma consequência lógica dos quatro primeiros axiomas. No entanto, eles finalmente descobriram que ele é logicamente independente dos outros axiomas e poderia ser modificado sem contradizer os demais.

Daí, apenas por curiosidade, no século XIX eles fizeram exatamente isso. O resultado é o que chamamos geometrias não euclidianas, descrições do espaço que parecem totalmente contraintuitivas. O consenso comum era o de que os matemáticos estavam apenas brincando e que não havia aplicação no mundo real para este trabalho, mas a descoberta da relatividade no século XX e a curvatura do espaço-tempo revelaram que a geometria não euclidiana é precisamente o que precisamos para melhor descrever o nosso universo.10

Refletindo sobre essa história e vários outros episódios semelhantes, Wigner concluiu: “O milagre da adequação da linguagem da matemática para a formulação das leis da física é um dom maravilhoso que nem compreendemos nem merecemos.”11

O mistério de Wigner é triplo: por que somos capazes de fazer matemática? Por que há uma estrutura profunda para o universo? Por que a matemática explica essa estrutura tão bem? Aqui, a visão cristã do mundo é particularmente adequada para fornecer uma estrutura atraente para dar sentido a esses milagres.

Matemática e criação

Começamos com a criação. O físico teórico e teólogo J. C. Polkinghorne argumenta: “Se o mundo é a criação do Deus racional e se formos criaturas feitas à imagem divina, então é perfeitamente compreensível que exista uma ordem no universo profundamente acessível à nossa mente.”12 Isso explica por que tantos pioneiros da ciência moderna e da matemática, como Newton, entendiam sua fé como a grande motivação para o trabalho que estavam fazendo. Morris Kline, falando sobre a história da matemática, argumenta que os matemáticos estavam agindo a partir da convicção de que “Deus tinha projetado o universo e era de se esperar que todos os fenômenos da natureza seguiriam um plano mestre. Uma mente projetando um universo quase certamente teria empregado um conjunto de princípios básicos para governar fenômenos relacionados.”13

Ao reconhecer o valor que a doutrina da criação teve no avanço das ciências matemáticas, é prudente rever o relato da criação na esperança de compreender melhor a natureza da matemática. Gênesis começa apresentando Deus criando o mundo, dando-lhe estrutura e movendo-o de um estado de confusão para um de ordem. Depois que os seres humanos, homens e mulheres, foram criados à imagem de Deus, eles receberam uma ordem para participar da criação, ou seja, estender a criação (“sede fecundos, multiplicai-vos”) e governar a criação (“dominai”) (Gênesis 1:28). Deus cria animais, Adão dá nome a eles; Deus cria um jardim, e ao primeiro casal é dada a ordem para cultivá-lo. Assim, encontramos uma imagem da cooperação humana e divina em cuidar da criação e estendê-la.

Em nosso breve levantamento da filosofia da matemática acima, observamos que há boas razões para pensar a matemática como um processo de descoberta e criação, embora qualquer das duas premissas enfrente desafios por si só. A imagem que Gênesis transmite sobre a humanidade sendo criada para cuidar de um jardim serve como um rico modelo para resolver essa tensão. Um jardim é tanto descoberto como criado. As plantas presentes já existiam na natureza, mas a maneira como elas são reunidas, arranjadas e cultivadas reflete a criatividade dos jardineiros humanos.

Uma história semelhante pode ser contada sobre a matemática. Começamos com ideias que aparecem muito naturalmente dentro da criação de Deus e então, como portadores de imagens, interagimos com a criação racionalmente estendendo essas ideias. Como pessoas criadas à imagem dAquele que criou o cosmos, esperamos alguma forma de correspondência entre as noções matemáticas que desenvolvemos e a estrutura que descobrimos no mundo natural, mas também esperamos que nossa matemática reflita as pessoas e as sociedades que a têm desenvolvido.

A matemática, portanto, resiste ser classificada como uma ciência natural ou uma arte criativa, porque é ambas. O matemático do século XIX Leopold Kronecker supostamente acreditava que “Deus fez os inteiros, todo o resto é obra do homem”.14 No entanto, escolhemos enquadrá-la, devemos ensinar a nossos alunos que a capacidade de fazer matemática é parte do que significa ser feito à imagem de Deus. Nesse sentido, esse é um dom incrivelmente poderoso concedido por Deus, mas o desenvolvimento da matemática também reflete a criatividade humana. Os teoremas da matemática avançada não estavam presentes antes da fundação do mundo; em vez disso, tem sido concedida liberdade à humanidade na forma como ampliamos o campo através das definições matemáticas que escolhemos e dos axiomas que corrigimos, assim como um músico tem liberdade sobre as canções que escreve, muito embora respeite regras fixas.

Alguns têm procurado fazer uma distinção entre matemática pura e aplicada. Embora tal distinção de termos se revele útil às vezes, é bastante difícil traçar essa linha divisória. Como observamos acima, um matemático pode seguir uma linha de estudo simplesmente para satisfazer a curiosidade matemática, mas muitas vezes as noções que ele desenvolve são mais tarde percebidas como sendo precisamente as ferramentas necessárias para descrever alguns fenômenos naturais. Minha própria área de pesquisa matemática, a Teoria dos Nós, foi completamente pura por quase todo o primeiro século de seu desenvolvimento, mas, nas últimas décadas, uma série de aplicações inesperadas para a biologia e a física foram descobertas. A verdade que um matemático procura simplesmente por sua beleza ou elegância parece ocupar e descrever a criação, dando testemunho do Criador da boa criação.

Mas alguém pode perguntar: existe alguma aplicação da matemática no mundo natural para que ela seja considerada de valor? Aqui novamente o jardim de Gênesis é útil. O fruto não era o único propósito de suas árvores, elas também são descritas como belas (Gênesis 2: 9). A beleza era valorizada na criação original de Deus independente de qualquer propósito utilitário. A humanidade foi projetada para mais do que apenas sobreviver. Em nossos jardins crescem tanto frutas para nos alimentar, como flores para serem apreciadas. Da mesma forma, o valor da matemática pode ser encontrado tanto na sua utilidade como em sua beleza.

Matemática e eternidade

Uma imagem começa a emergir usando a matemática como atração para nos levar de volta ao nosso começo, lembrando-nos de nosso papel como portadores da imagem de um bom Criador. Um provérbio de Salomão afirma: “A glória de Deus é encobrir as coisas, mas a glória dos reis é esquadrinhá-las” (Provérbios 25: 2). Em outro lugar, Salomão nos lembra que a eternidade foi colocada no coração humano (Eclesiastes 3:11). Ao estudar, aprender e procurar essas coisas escondidas e estar exposto a campos de descoberta e desenvolvimento sem fim, o desejo pela eternidade é despertado no coração humano. A matemática, em particular, parece enlevar os seres humanos à esperança da eternidade.

O Novo Testamento se encerra com a visão de Cristo restaurando a criação com novos céus e nova Terra. Aqui está registrado que a glória de Deus iluminará a cidade, e os reis da Terra trarão sua glória para a cidade onde Cristo habita com Seu povo (Apocalipse 21: 23-26). Embora “glória” seja um termo amplo, uma das poucas referências à glória dos reis nas Escrituras é encontrada no provérbio de Salomão registrado acima. Assim, parece que temos aqui uma visão de uma eternidade de estudo que glorifica a Deus, de descobertas e buscas criativas da humanidade. Na comunidade de matemática, muitas vezes consideramos a descoberta de um grande teorema como um meio de imortalização; em vez disso, os estudantes cristãos devem ser ensinados que tais realizações intelectuais devem ser colocadas em temor reverente aos pés dAqule que em Si mesmo tem a imortalidade. Em vez de produzir orgulho, a descoberta matemática deve levar o indivíduo à adoração.

Ellen White nos lembra: “Devemos estar sempre indagando, sempre pesquisando, sempre aprendendo, e resta, todavia, um infinito para o além.”15 Esse aprendizado sem fim ela coloca como uma visão do mundo vindouro: “O céu é uma escola; o campo de seus estudos, o Universo; seu professor, o Ser infinito. Uma ramificação desta escola foi estabelecida no Éden; e, cumprindo o plano da redenção, reassumir-se-á a educação na escola edênica.”16 Isso significa que vamos fazer cálculos na Nova Terra? Embora devamos parar de sugerir que nossas convenções modernas e formulações de disciplinas serão empregadas no Paraíso, os alunos devem aprender que a matemática é uma parte vital de uma eternidade de estudo da glorificação de Deus, para a qual eles foram criados.

Matemática e educação

Através da lente da fé, a matemática é muito mais do que manipular símbolos. Em vez disso, ela é portadora de uma imagem em seu papel de cocriadora com Deus. Assim, ensinar matemática é mais do que apenas ajudar os alunos a aprender como executar algoritmos ou manipular símbolos. Eu chego a pensar em quadros negros e quadros brancos como janelas para a eternidade, esperando que minhas palestras despertem os alunos para o senso de descoberta interminável e de cocriação para a qual eles foram criados. Ensinar matemática implica ajudar os alunos a reconhecer sua verdadeira identidade, seu incrível valor e o maravilhoso lugar que ocupam no universo. A matemática testifica a realidade de que não estamos aqui acidentalmente, mas fomos projetados para descobrir e estender a criação, apreciando sua beleza. E a matemática nos ensina a desejar a eternidade, quando poderemos continuar nossa educação na presença dAquele que nos formou em amor.

Enquanto antecipa a eternidade, a matemática também ensina valiosas lições de caráter. Ao longo dos últimos anos, eu intencionalmente introduzi meus alunos à pesquisa de Carol Dweck sobre a mentalidade de crescimento.17 Dweck usa esse termo para se referir às diferentes maneiras como os alunos visualizam sua inteligência e, portanto, reagem ao sucesso e ao fracasso. Por um lado, os alunos que acreditam que a inteligência é fixa (você nasce como uma “pessoa da matemática” ou não), tendem a interpretar seu mau desempenho em uma atividade matemática como evidência de que eles são incapazes de dominar o assunto. Por outro lado, os alunos que são ensinados que a inteligência é algo que se pode desenvolver, como um músculo, tendem a interpretar o mau desempenho como indicador de que precisam de etapas adicionais para dominar o material.

Em minhas aulas de cálculo, adicionei o objetivo de fazer com que os alunos desenvolvam uma mentalidade de crescimento: dou-lhes a oportunidade de recuperar algum crédito refazendo problemas de tarefas perdidas, com o objetivo de ensiná-los a partir dos próprios erros. Eu me encontro com esses alunos após a primeira avaliação e lhes peço que tragam correções para os problemas que eles deixaram de resolver; uso um esquema flexível de notas que permite que os alunos se recuperem, caso queiram, após um mau desempenho na primeira avaliação.

Eu tenho visto essa estratégia fazer uma profunda diferença para muitos alunos, como Sarah.18 Ela gostava de cálculo vetorial, mas ficou desanimada porque sentiu que essa matéria era muito desafiadora. Depois de ter recebido notas ruins nos primeiros testes, ela começou a desistir da matéria. Eu me encontrei com ela, e discutimos como usar esses tropeços como oportunidades de aprendizagem. Juntos formamos um plano de estudo. Como resultado, ela terminou o curso com a nota mais alta no exame final. Um ano depois de haver feito o curso, ela compartilhou comigo a alegria que estava sentindo com as aulas que estava tendo na área de ciências matemáticas. Alunos como Sarah, que pertencem à demografia sub-representação na matemática, estão especialmente em risco de escolher abandonar os estudos matemáticos após seus fracassos iniciais. Assim, ensinar a mentalidade de crescimento é especialmente importante porque ela ajuda os alunos em risco a persistir e continuar a oferecer valiosas contribuições à matemática e à sociedade.

Além de persistir na matemática, os alunos que cultivam uma mentalidade de crescimento desenvolvem traços de caráter que se transferem para todas as esferas de sua vida. Como cristãos, entendemos que esse crescimento de caráter tem um valor eterno: “Também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança” (Romanos 5: 3-4).

Finalmente, embora antecipando a restauração da boa criação de Deus, somos constantemente lembrados de que há algo seriamente danificado neste mundo presente. A matemática, como a arte, pode dar aos indivíduos vislumbres do mundo por vir, mas, se quisermos levar a sério o chamado de Jesus para o serviço, devemos dar um passo adiante e realmente socorrer os sofredores deste mundo presente.

Entre na grande aplicabilidade da matemática. Tenho acumulado um fardo crescente para inspirar e desafiar meus alunos a empregar sua formação no serviço à grande necessidade do mundo em qualquer curso de vida que eles persigam, seja como educadores, engenheiros, profissionais da área médica, advogados ou mesmo matemáticos. Na matéria de cálculo, por exemplo, depois de ensinar um número de métodos de integração, reservei uma semana para que os alunos trabalhassem em projetos que aplicassem essas habilidades a várias outras disciplinas. Eles descobriram inúmeras oportunidades: alunos da medicina trabalharam com análise de fluxo sanguíneo e débito cardíaco; os de administração, com o superávit do consumidor; alunos de engenharia exploraram a pressão hidrostática; e os matematicamente curiosos quebraram a cabeça com o Paradoxo da Trombeta de Gabriel. Assim, além de permitir que os alunos praticassem as habilidades do curso de uma maneira envolvente, usei os projetos para levá-los a reconhecer que o fim da educação é a alegria do serviço, tanto neste mundo quanto no vindouro.

Embora os métodos de resolução de problemas e os resultados da matemática existam independentemente da visão de mundo ou do compromisso religioso, existe um papel importante para os educadores adventistas ao ensinarem seus alunos a deixar sua fé informar a maneira como veem a natureza e a finalidade da matemática. Incrivelmente, isso pode transformar o sujeito em um testemunho perpétuo do grande plano de redenção, da criação à eternidade, e lembrar os alunos de sua identidade como portadores da imagem de Deus, inspirando-os a adorar um Criador impressionante. Além disso, a matemática pode capacitar o aluno para uma eternidade de serviço útil e semelhante ao de Cristo. “No mais alto sentido, a obra da educação e da redenção são uma.”19

Este artigo foi revisado por pares.

Anthony Bosman

Anthony Bosman, PhD, é professor assistente de Matemática na Andrews University (Berrien Springs, Michigan, Estados Unidos). Ele é bacharel pela Stanford University (Stanford, Califórnia, Estados Unidos) e doutor em Matemática pela Rice University (Houston, Texas, Estados Unidos). >A área de pesquisa do Dr. Bosman é Topologia de Baixa Dimensão, o Estudo de Formas e Superfícies até a Deformação Contínua. Sua pesquisa se concentra em nós e ligações. Ele lecionou várias disciplinas de matemática na graduação, gosta de trabalhar com programas de enriquecimento de matemática para deixar os alunos do ensino médio apaixonados pela matemática e atua como líder no ministério do campus.

Citação recomendada:

Anthony Bosman, “Perspectivas por uma compreensao adventista da matematica,” Revista Educação Adventista 41:1 (Janeiro–Março, 2017). Disponível em https://www.journalofadventisteducation.org/pt/2017.2.7.pt.

NOTAS E REFERÊNCIAS

  1. Plato, Republic, trans. G. M. A. Grube, revised by C. D. C. Reeve (Indianapolis: Hackett Publishing, 1992).
  2. Morris Kline, Mathematics and the Search for Knowledge (Nova York: Oxford University Press, 1985).
  3. Salvo indicação contrária, as citações bíblicas neste artigo são citadas da Versão Almeida Revista e Atualizada®. Copyright©. Todos os direitos reservados.
  4. Office of Education, North American Division Seventh-day Adventist Church, Pre Algebra: 2012 Secondary Mathematics Standards in Seventh-day Adventist Schools, 2, 3. Disponível em: http://adventisteducation.org/downloads/pdf/nad_mathematics_prealgebra_2012.pdf. Acesso em: 10 maio 2016.
  5. “Numbers and Operations,” Disponível em: http://adventisteducation.org/downloads/pdf/Elementary%20Math%20Standards%20Numbers%20and%20Operations.pdf.
  6. 1 Coríntios 2:14. Citação bíblica tirada da versão The Holy Bible, New Living Translation. Copyright© 1996, 2004, 2007. Usada com permissão da Tyndale House Publishers, Inc., Carol Stream, Illinois 60188. Todos os direitos reservados.
  7. Godfrey H. Hardy, A Mathematician’s Apology (Cambridge, Mass.: Cambridge University Press, 1967), 123, apud Morris Kline, Mathematics: The Loss of Certainty (Nova York: Oxford University Press, 1980), 322.
  8. Karl Weierstrass, apud Kline, Mathematics: The Loss of Certainty, 324.
  9. Eugene Paul Wigner, “The Unreasonable Effectiveness of Mathematics in the Natural Sciences,” in The Collected Works of Eugene Paul Wigner, ed. Jagdish Mehra, v. 6, Philosophical Reflections and Syntheses (NovaYork: Springer-Verlag, 1995), 534-49, DOI:10.1007/978-3-642-78374-6_41.
  10. A curvatura do espaço-tempo é insignificante o suficiente para que a geometria clássica euclidiana que ensinamos no Ensino Médio ainda preste um excelente serviço de descrever fenômenos locais.
  11. Wigner, “The Unreasonable Effectiveness of Mathematics,” in Mehra, The Collected Works, v. 6, 549.
  12. J. C. Polkinghorne, Science and Theology: An Introduction (London: Society for Promoting Christian Knowledge, 1998), 73.
  13. Kline, Mathematics: The Loss of Certainty, 52.
  14. Eric Temple Bell, Men of Mathematics (Nova York: Simon and Schuster, 1986), 477.
  15. Ellen G. White, A ciência do bom viver, p. 431. Disponível em: https://egwwritings.org/.
  16. Ellen G. White, Educação, p. 301. Disponível em: https://egwwritings.org/.
  17. Carol S. Dweck, Mindset: The New Psychology of Success (Nova York: Random House, 2006).
  18. Os nomes usados são pseudônimos.
  19. Ellen G. White, Educação, p. 30. Disponível em: https://egwwritings.org/.